19 Out, 2022

Entrevista. “A depressão no idoso manifesta-se mais frequentemente com sintomas físicos”

João Reis é médico psiquiatra e coordenador do Serviço de Psiquiatria Geriátrica do Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL). Em entrevista alerta para a depressão no idoso, que nem sempre se manifesta da mesma forma que num jovem.

Várias patologias surgem como consequência do processo de senescência. No caso da depressão pode acontecer o mesmo?

Não existe propriamente uma relação entre doença mental e envelhecimento, excetuando talvez as perturbações neurocognitivas como a demência, que têm a idade como principal fator de risco. Patologias como as perturbações afetivas, onde se enquadram a depressão, doença bipolar e outras aparentadas, têm maior prevalência nos adultos mais jovens, tendendo a diminuir à medida que se avança na idade.  Contudo, a depressão no idoso é uma realidade à qual devemos estar particularmente atentos e que está muitas vezes associada ao luto, à solidão, ao isolamento social e à reforma. Tem a agravante de que quando se está perante um quadro grave e com perda do gosto de viver na pessoa de idade avançada, aumenta a probabilidade de ocorrer uma tentativa de suicídio grave ou suicídio consumado. Infelizmente, a sociedade ainda tem uma atitude muito passiva em relação aos sintomas depressivos nos mais velhos, porque se acredita que é normal um idoso estar deprimido, existindo muito a conceção de que a vida já passou. Os profissionais que trabalham nesta área constatam que isso não é verdade, visto que parte significativa destes quadros pode ser revertida.

“Na idade avançada são mais comuns os quadros atípicos, ‘mascarados’ ou com apresentação cognitiva, a chamada “pseudodemência depressiva”

 

É fácil diagnosticar a depressão nas idades mais avançadas ou é uma patologia que se pode confundir, por exemplo, com demência?

Na idade avançada são mais comuns os quadros atípicos, ‘mascarados’ ou com apresentação cognitiva, a chamada “pseudodemência depressiva”. Dada a depressão ter significativamente melhor prognóstico e resposta ao tratamento, comparativamente com um quadro demencial, será muito importante diagnosticar esses casos, não confundindo portanto com as verdadeiras demências, que são tratadas com fármacos diferentes e cujos sintomas não conseguimos muitas vezes mitigar, continuando a avançar e a condicionar dependência de terceiros.

Face a esta característica, pode-se dizer que é uma doença subdiagnosticada?

Sem dúvida! Muitos casos nem sequer chegam a ser diagnosticados.

“… estudos científicos apontam para que a depressão crie disfunção nos sistemas cardiovascular e imunológico”

 

E porquê? Tem a ver com a tal passividade da sociedade?

Sim, essa é uma das principais razões para este subdiagnóstico e, por conseguinte, subtratamento.

Qual será o impacto de uma depressão não diagnosticada?

Além dos riscos comportamentais associados à depressão, como suicídio e autonegligência, estudos científicos apontam para que a depressão crie disfunção nos sistemas cardiovascular e imunológico, podendo dessa forma ter um impacto direto na saúde física e acelerar a própria morte. É uma autêntica bola de neve, numa altura em que devido ao envelhecimento e outras doenças que entretanto possam ter surgido, o nosso organismo já tem pouca reserva para resistir à doença.

A que sintomatologia deve estar atento o médico de família, que é a primeira porta de entrada no sistema de saúde?

Os médicos de família estão felizmente cada vez mais alerta para as especificidades da saúde mental dos idosos e são inclusive estes colegas que tratam a maioria dos casos – apenas os quadros mais graves são referenciados para hospital. Nos motivos de referenciação das depressões à consulta, vemos cada vez mais frequentemente a atenção dos colegas dos cuidados de saúde primária a sintomas como alterações de memória e queixas físicas, mostrando sensibilidade a estas questões.

“… é preciso estar atento e acompanhar estes utentes, porque existe maior risco de, futuramente, virem a sofrer de demência”

 

Os antidepressivos são os medicamentos de primeira linha?

Os antidepressivos são a primeira linha na chamada depressão major, não devendo inclusive ser utilizados em quadros mais ligeiros. Cada caso é um caso e não podemos esquecer a relevância da abordagem psicoterapêutica (que não está indicada apenas nas pessoas mais novas), além da farmacológica. Adicionalmente, medicamentos como os antidepressivos podem ser importantes como prova terapêutica em casos que suscitem dúvidas (obviamente, desde que não estejam contraindicados). Por exemplo, em casos em que após o início da terapêutica existe melhoria dos sintomas físicos ou cognitivos, isso é sinal de que se está, de facto, perante uma depressão ‘mascarada’. Em quadros depressivos com muita sintomatologia de memória é preciso estar atento e acompanhar estes utentes, porque existe maior risco de, futuramente, virem a sofrer de demência.

Quando utilizados medicamentos, o mais importante é ter em conta a máxima “start low, and go slow”, criada por causa das alterações fisiológicas próprias do envelhecimento, frequência de comorbilidades e consequentemente maior frequência de polimedicação. Isto vai condicionar o aumento do efeito da medicação com doses baixas e maior ocorrência de interações medicamentosas e efeitos secundários. Existe ainda outro aspeto importante: a má nutrição é frequente nas pessoas de idade avançada e a carência de alguns nutrientes, como por exemplo vitaminas do complexo B, podem contribuir para sintomas destes que podem ser revertidos, pelo menos parcialmente, com suplementação e alimentação adequadas.

A mesma máxima “start slow, go slow” deve ser utilizada com as benzodiazepinas…

É na verdade um princípio geral em toda a medicação, mas que deve ser levado mais à letra no doente mais velho. A questão com as benzodiazepinas é que em Portugal existe uma prescrição excessiva comparativamente com os outros países, havendo preocupação com o facto de terem potencial aditivo e, no caso específico dos mais velhos, aumentam o risco de quedas, fraturas e acidentes. As recomendações são utilizar, quando possível, alternativas, como antidepressivos, e quando indicado usar benzodiazepinas, começando com pequenas doses e por períodos limitados de tempo. O doente tem que ser monitorizado na descontinuação para se garantir que se mantém estável e consegue parar este tipo de fármacos.

SO

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