“É preocupante que uma reabilitação de qualidade não chegue à maioria dos sobreviventes de AVC”

A propósito do Dia Nacional do Doente com AVC, que se assinala a 31 de março, a Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos apresentou-se ontem na Assembleia da República, para uma sessão com diversos interlocutores da saúde. António Conceição, presidente da associação, explicou-nos as motivações para esta reunião.

Estiveram na Assembleia da República. Qual é o vosso objetivo?
Provocámos este momento de debate porque o AVC, sendo a 1.ª causa de morte e a 1.ª causa de incapacidade em Portugal, está muito longe de merecer a atenção política e mediática que devia ter. Nunca foi, e cada vez menos pode ser considerada como tal, uma doença de velhos, ou que só atinge pessoas com hábitos desregrados. É uma realidade, transversal a rigorosamente todas as idades. Este é o primeiro objetivo.

Porque a prevenção, que é primordial; o tratamento rápido e com a máxima eficácia possível quando acontece o AVC; a reabilitação, que deveria ser sempre coordenada, atempada, podendo envolver múltiplas valências, sem tempos pré-estabelecidos; e a vida pós-AVC são sempre as nossas preocupações.

Também porque nos toca muito como sobreviventes, o sistema de saúde não pode negligenciar mais a existência de uma reabilitação com qualidade. É sempre a nossa preocupação.

“O sistema de saúde não pode negligenciar mais a existência de uma reabilitação com qualidade”

Quais são as principais necessidades que os sobreviventes de AVC e as suas famílias sentem atualmente?
Antes de mais, recorde-se que o AVC é um evento de instalação súbita, e quanto mais bem tratado, menores são as necessidades futuras.

A recuperação e a reabilitação de um sobrevivente de AVC estão sempre dependentes de dois pontos essenciais: os cuidados de fase aguda; mas também os cuidados de acompanhamento e reabilitação. Aliás, a falta dos segundos, com qualidade, pode pôr em causa o investimento no tratamento imediato e nos primeiros dias, se não tiver continuidade.

Por isso, é muito preocupante que uma reabilitação coordenada, multidisciplinar, de qualidade, sem tempos pré-estabelecidos, não chegue à maioria dos sobreviventes.

Depois, e é também uma séria preocupação, é importantíssimo, até para a prevenção secundária, que sejam asseguradas consultas de seguimento: idealmente, pelo menos, aos 3 meses, aos 6 meses, a 1 ano, e depois com cadência anual. Obviamente, com intervenção também dos cuidados de saúde primários.

Por outro lado, à medida que vai chegando a fase crónica, é comum sobreviventes de AVC e familiares sentirem que são abandonados à sua sorte, num período já de si difícil, muitas vezes de consciencialização que a sua vida mudou, com as depressões e outros problemas psicológicos tão presentes.

Tudo isto, é um investimento, com retorno a curto e médio prazo, não um mero custo para o próprio, para a família, para a sociedade e para o Estado.

Na sua opinião, apostou-se muito na Via Verde do AVC, ou seja, nos cuidados agudos, e esqueceu-se a continuação de cuidados?
A aposta na Via Verde, quanto muito, só é criticável por ser escassa! É fundamental, e é essencial, que se diminua as desigualdades no seu acesso, assim como às Unidades de AVC, e que se divulgue muito mais o acesso de forma correta.

O que não invalida que a reabilitação não pode mais ser o “parente pobre” no sistema de saúde. Reabilitação que, para muitos portugueses, não existe, ou é de uma qualidade que deixa muito a desejar. Aliás, levanta-se a questão do “controlo de qualidade” da reabilitação destas pessoas, seja no setor público, seja social ou privado.

 

Qual é a solução na vossa opinião para que haja mais cuidados de continuidade?
Antes de mais, temos que diminuir as enormes disparidades que se verificam, conforme a unidade hospitalar em que se é atendido, a localização geográfica, a capacidade económica, os seguros ou subsistemas de saúde, o acesso à informação dos sobreviventes e famílias, e outras desigualdades.

Por isso mesmo, é essencial que se defina e implemente uma estratégia de acesso à reabilitação. Como, aliás, já foi recomendado ao Governo, através de Resolução da Assembleia da República, aprovada por unanimidade, há pouco mais de um ano.

Repare-se que, também aqui, não estamos a pedir para “ser despejado um saco de dinheiro”. É preciso que se perceba claramente que a reabilitação, além de ser um direito – como tão bem lembrava repetidamente o saudoso Prof. José Castro Lopes, fundador da Sociedade Portuguesa do AVC -, não é um custo, mas um claro investimento com retorno. Há suporte científico e segurança para afirmar que muitos cuidados de reabilitação são custo-efetivos na melhoria dos resultados funcionais.

“É essencial que se defina e implemente uma estratégia de acesso à reabilitação. Como, aliás, já foi recomendado ao Governo há pouco mais de um ano.”

Além desta iniciativa na Assembleia da República, o que podemos esperar da Portugal AVC nos próximos tempos?
Neste campo, que é um dos pilares da nossa ação, a perseverança, a continuação deste trabalho, antes de mais de sensibilização dos decisores e dos “atores no terreno”. É premente iniciar-se a mudança, a alteração de paradigma.

 

SO

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