31 Out, 2023

Doença de Gaucher. “A Medicina Geral e Familiar tem papel fundamental no diagnóstico precoce”

A Doença de Gaucher é uma doença rara que tem forte impacto na vida dos doentes. Algumas manifestações começam logo na infância, contudo, há muitos adultos – alguns idosos – que só são diagnosticados ao fim de muitos anos ou não fossem os sintomas similares a outras patologias. João Silva Gomes, hematologista, apela assim aos médicos de família para estarem alerta.

O que é a Doença de Gaucher?

A Doença de Gaucher (DG) é uma doença hereditária do metabolismo e uma doença lisossomal de sobrecarga em que existe deficiência da enzima glucocerebrosidase e ocorre acumulação de glucosilceramida nos lisossomas, sobretudo dos macrófagos do sistema reticuloendotelial. É uma doença genética, de transmissão autossómica recessiva, e está associada a manifestações multissistémicas, a um estado pró-inflamatório e de desregulação do sistema imunitário. O espetro clínico é muito variável consoante o genótipo e a variabilidade interindividual, podendo assim ter manifestações mais graves ou mais ligeiras. O tipo de mutação pode dar origem a fenótipos diferentes, sendo o tipo 1 uma doença de envolvimento predominantemente visceral e ósseo, e os tipos 2 e 3 estando associados a envolvimento neurológico. Por ser de transmissão autossómica recessiva, os pais podem apenas ser portadores e não ter a doença. A história familiar é importante, contudo, mesmo quando não existam casos conhecidos na família, não se deve excluir esta patologia desde que exista suspeita clínica.

Quais são os sintomas mais comuns da Doença de Gaucher para os quais um médico de MGF deverá estar alerta?

A falta desta enzima leva à acumulação de substâncias dentro dos lisossomas que estão presentes em vários tecidos e órgãos, como o baço, o fígado e a medula óssea. A acumulação destas substâncias tem um impacto negativo no organismo, aumentando o volume do baço e fígado, dificultando a produção de células do sangue pela medula óssea (o que leva a anemia e trombocitopenia); envolvendo os ossos e originando dor óssea crónica e/ou aguda, fraturas ósseas patológicas, entre outras complicações potencialmente irreversíveis. A combinação de citopenias, organomegalias, dor óssea, fadiga persistente e tendência hemorrágica desproporcional à trombocitopenia devem ser sinais de alerta para pensar em doenças de sobrecarga lisossomal, especialmente a Doença de Gaucher.

“Quanto mais cedo o diagnóstico for estabelecido, mais rapidamente o doente pode ser avaliado em centro de referência para doenças hereditárias do metabolismo”

O que é que a especialidade da MGF pode acrescentar ao diagnóstico precoce de doenças raras (no geral)?

O médico de MGF contacta, em média, com um número muito superior de utentes do que os médicos de especialidades hospitalares. Tem o papel desafiante de avaliar o utente como um todo, bem como gerir e estar alerta para múltiplas situações clínicas que podem requerer orientação para consultas de outras especialidades. O papel da MGF é permitir a deteção precoce destas doenças raras, que depende, em parte, da divulgação de informação acerca das mesmas.

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Tendo em conta que é uma doença hereditária, que conselho quer deixar aos médicos de família?

Só é possível diagnosticar uma doença se antes se pensar nela. É preciso estar alerta, conhecer a doença. A MGF tem um papel fundamental no diagnóstico precoce. Os cuidados de saúde primários são um dos pilares do SNS, representando a maior parte dos contactos dos utentes portugueses com cuidados de saúde. No caso destes doentes podem funcionar como uma porta de entrada para alcançar o diagnóstico e aceder ao tratamento. Daí ser essencial que os médicos de família estejam alerta e conheçam as constelações de sinais e sintomas da Doença de Gaucher. O mesmo se aplica a especialidades hospitalares, mas o papel da MGF pode ser extremamente importante. Quanto mais cedo o diagnóstico for estabelecido, mais rapidamente o doente pode ser avaliado em centro de referência para doenças hereditárias do metabolismo e mais facilmente se pode garantir o tratamento adequado por parte de equipas com experiência.

Um médico de família em caso de suspeita desta doença, como deverá proceder. Para que especialidades médicas deverá referenciar?

Em Portugal, as especialidades que mais frequentemente acompanham estes doentes são a Hematologia Clínica e a Medicina Interna. A referenciação atempada para o hospital da área de residência ou para Centro de Referência na área de Doenças Hereditárias do Metabolismo é muito importante para permitir confirmar o diagnóstico e, nesse caso, iniciar o tratamento, idealmente antes da instalação de consequências irreversíveis.

MJG

 

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