Doença de Batten não tem cura mas há um projeto que quer facilitar o diagnóstico

Agora, através do projeto LINCE, basta uma gota de sangue para se poder diagnosticar precocemente esta doença. Falámos com a presidente da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria.

Quais os sintomas da doença de Batten?

A Ceroidolipofuscinose Neuronal (CLN) é um grupo heterogéneo de doenças neurometabólicas raras, hereditárias, caracterizadas por acumulação intracelular de material lisossómico autofluorescente (lipofuscina ceróide). Esta acumulação deve-se a uma atividade enzimática deficiente dentro do lisossoma, levando a uma disfunção da célula e morte celular. São doenças neurodegenerativas que ocorrem em idade pediátrica e classificam-se em 14 tipos diferentes, de acordo com a sua causa genética. As manifestações clínicas variam de acordo com a idade de início da sintomatologia e a evolução da doença é diferente de acordo com o tipo de CLN.

Os principais sintomas são as crises epiléticas recorrentes, atraso / regressão do desenvolvimento psico-motor, ataxia, mioclonias e diminuição da acuidade visual. Dependendo do tipo de CLN, a idade de início da sintomatologia varia (infantil precoce, infantil tardia, juvenil e adulto).

Nas formas mais frequentes, a doença progride rapidamente e a epilepsia torna-se refractária aos fármacos anti-epilépticos, há perda progressiva da acuidade visual (evolui para cegueira) e deterioração cognitiva e motora, levando à demência e ao estado vegetativo. A esperança média de vida é baixa.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico baseia-se na combinação dos achados clínicos, oftalmológicos, electroencefalográficos e neurorradiológicos.

A confirmação é feita através de testes bioquímicos e genéticos.  Assim, o diagnóstico é estabelecido através de um teste enzimático que mede a atividade da enzima deficitária e através de um teste genético / molecular, com identificação de mutações patogénicas.

Sendo uma doença rara, o clínico deve estar familiarizado com as manifestações clínicas da doença, de forma a ter sempre presente a suspeita deste diagnóstico e confirmar a doença laboratorialmente.

Sendo esta uma doença hereditária, é possível identificá-la nos testes feitos no período pré-natal?

A doença de Batten é uma doença hereditária, transmitida de forma autossómica recessiva (com excepção da rara forma adulta que pode ser autossómica dominante).

Ao ser uma doença genética autossómica recessiva, os dois progenitores têm que ser portadores de um alelo afectado do gene e apenas 1 em cada 4 filhos tem a probabilidade de ser afectado.

Assim, no caso de haver um casal com um filho a quem foi diagnosticado esta doença e que planeia ter outro filho, é muito importante o aconselhamento genético.

Quão importante é diagnosticar precocemente esta doença?

As manifestações clínicas desta doença surgem após um período de desenvolvimento psico-motor aparentemente normal e, geralmente, depois existe uma rápida deterioração do estado geral do doente. Até ao momento, apenas um tipo de CLN (CLN2) tem tratamento aprovado (terapêutica enzimática de substituição) e o tempo médio de atraso diagnóstico é de cerca de 2 anos, comprometendo o sucesso terapêutico. Consequentemente, um diagnóstico precoce é fundamental, pela possibilidade de alterar a progressão desta doença devastadora e optimizar os cuidados ao doente, melhorando a sua qualidade de vida e a da sua família.

Qual a incidência desta doença em Portugal? Quantos casos surgem anualmente?

De acordo com os dados publicados, a estimativa de prevalência mundial de Doença de Batten é de cerca de 1 por 100.000 nados-vivos.

Esta doença tem tratamento? Qual o prognóstico para uma criança diagnosticada com a doença de Batten? Que opções terapêuticas estão neste momento disponíveis para estas crianças?

A abordagem destes doentes tem que ser multidisciplinar e o mais precoce possível, com o objetivo de manter a função e otimizar a sua qualidade de vida.  O tratamento sintomático inclui a tentativa de controlo das crises epiléticas, controlo da dor, fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala e cuidados nutricionais. O suporte familiar é fundamental.

Várias estratégias terapêuticas têm sido exploradas, mas presentemente existe apenas um fármaco clinicamente aprovado que demonstrou ser eficaz para atenuar a progressão de um tipo de CLN, a CLN2: a cerliponase alfa, uma enzima recombinante humana da enzima tripeptidil-peptidase 1 (TPP1 – enzima deficitária na CLN2), que é administrada através de infusão intracerebroventricular.

Qual o objetivo do projeto LINCE e em que consiste?

O projecto LINCE, lançado no início deste ano, disponibiliza uma ferramenta de diagnóstico rápida e de forma gratuita aos médicos portugueses, em caso de suspeita de CLN1 e CLN2. Este projeto nasceu de uma parceria científica da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, com a Liga Portuguesa Contra a Epilepsia e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge. Em caso de suspeita, o médico deve solicitar um kit para o  e-mail proj.lince@gmail.com e através de uma gota de sangue seco (semelhante ao “teste do pezinho”) é possível obter uma resposta em duas semanas. O projecto LINCE permite um diagnóstico rápido, de forma a proporcionar os melhores cuidados ao doente.

A que sinais devem os pediatras estar especialmente atentos?

A epilepsia refratária e o atraso na linguagem são habitualmente as primeiras manifestações de CLN2. Estes dois sintomas são comuns, mas vê-los em conjunto na primeira infância deve ser o alerta para qualquer profissional de saúde pedir análises para rastrear esta patologia. A partir dos 18 meses já é possível observar atraso e/ou regressão na linguagem, atraso motor e, entre os 3-4 anos de idade, observa-se a diminuição da acuidade visual, ataxia e epilepsia. Como já referido, sendo uma doença rara, o clínico deve estar familiarizado com as suas manifestações clínicas, de forma a suspeitar deste diagnóstico e confirmar a doença laboratorialmente.

TC/SO

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