15 Nov, 2021

Diretor de Psicologia do São João defende novo modelo de acesso a consultas

O responsável defende que "deveria ser possível fazer um pedido de consulta diretamente aos psicólogos, através do médico de família, sem passar pela psiquiatria".

O diretor do Serviço de Psicologia do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), Porto, defendeu uma alteração ao “modelo anquilosado” de acesso às consultas externas da especialidade.

Eduardo Carqueja, que falava no âmbito das I Jornadas do Serviço de Psicologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, considerou que deveria ser possível fazer um pedido de consulta diretamente aos psicólogos, através do médico de família, sem passar pela psiquiatria.

“O modelo que está instituído é anquilosado”, sublinhou, explicando que, atualmente, “os doentes têm de ir ao médico de família, que tem de pedir uma consulta de psiquiatria e, depois, o psiquiatra é que, se assim entender, pede uma consulta de psicologia. Estamos a sobrecarregar outro colegas, que depois tem só de reencaminhar”.

O psicólogo apontou como “bom exemplo” o que se passa no Serviço de Urgência do hospital de São João, onde existe um psicólogo, desde março deste ano.

“No caso concreto do serviço de urgência temos ganhos muito importantes de saúde, porque é possível ‘apanhar’ o doente ou a sua família e colocá-los em consulta de psicologia. É um ganho tremendo para situações de crise e que necessitam de assistência psicológica”, considerou.

Segundo o especialista, mais grave do que o estigma de ir ao psicólogo, é “o estigma da falta de acessibilidade”.

“Não é necessário ter uma doença mental para necessitar de uma intervenção psicológica, pode tratar-se do que chamamos de desconforto psicológico, em que, se as pessoas não forem ajudadas, vão entrar em doença”, frisou.

Questionado pela Lusa sobre a dificuldade de acesso a consultas da especialidade, o Bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses, Francisco Miranda Rodrigues, que participou na sessão de abertura do encontro, considerou que é “absolutamente impossível explicar aos portugueses porque é que, face a toda a necessidade que tem sido evidenciada, face aos números incontestados pelo próprio Governo dos profissionais existentes serem escassos, a começar nos centros de saúde, que não haja uma resposta rápida a esta necessidade das populações”.

Em seu entender, a criação, em pandemia, do serviço de aconselhamento psicológico na linha SNS Saúde 24 foi “uma boa medida”, mas “a verdade é que, a seguir a essas intervenções muito breves, muitas dessas pessoas precisariam de ser acompanhadas durante algum tempo nos seus centros de saúde, o que não acontece”.

“Não estamos a falar de doença grave ou até de doença, estamos a falar de pessoas que estão em sofrimento, que têm o seu dia a dia afetado e que precisam de algum apoio para ultrapassarem e voltarem ao seu melhor. Esse apoio não existe ou demora muito tempo, meses, até se conseguir uma consulta”, disse.

O bastonário lembrou que existem apenas 250 psicólogos nos centros de saúde de todo o país, ou seja “menos de um por concelho”, sendo “completamente impossível dar resposta às necessidades”.

“Estamos a falar de não menos do que seis meses para se ter primeiras consultas e estamos muito dependentes daquilo que é a perceção dos profissionais no terreno e das pessoas que tentam marcar”, frisou.

Francisco Miranda Rodrigues criticou ainda a inexistência de dados das consultas de psicologia e do trabalho dos psicólogos no Serviço Nacional de Saúde (SNS), no Portal da Transparência do SNS.

“O portal da transparência até parece transparecer que praticamente nem sequer existem psicólogos, o que ainda dá uma retrato pior do que a própria realidade”, lamentou.

Defendeu, por isso, que esta área da saúde “precisa de uma intervenção urgente, que tem sido adiada permanentemente pelos diversos governos”.

Para os centros de saúde, que é onde se tem colocado grande ênfase, “o número de profissionais teria de duplicar”para se começar “a ter alguma capacidade de resposta aos pedidos. E esta era a uma necessidade que se colocava antes da pandemia”, afirmou.

“Face aquilo que descrevi, face à falta de indicadores de gestão e ao agravamento da situação provocada pela pandemia de covid-19, é possível que a duplicação não seja suficiente, mas na verdade faria toda a diferença”, frisou.

Francisco Miranda Rodrigues disse ainda que atualmente existem serviços de psicologia em 75% dos centros hospitalares.

O Serviço de Psicologia do Centro Hospitalar de São João realizou no ano em que foi criado, em 2019, 14.500 consultas externas, em 2020 o número aumentou para cerca de 15 mil e este ano, até outubro, já foram atendidas em consulta cerca de 14 mil doentes.

As I Jornadas do Serviço de Psicologia do Centro Hospitalar de São João foram subordinadas ao tema “Pensar a História e cuidar o futuro”.

LUSA

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