Como gerir o doente com trombose associada ao cancro?
Assistente Hospitalar de Imuno-Hemoterapia, CHVNG/Grupo de Estudos de Cancro e Trombose (GESCAT)

Como gerir o doente com trombose associada ao cancro?

O tromboembolismo venoso (TEV) representa uma importante causa de morbilidade e mortalidade no doente oncológico, sendo a segunda causa de morte nesta população, só ultrapassado pela progressão da doença.

O doente com cancro tem um risco 4 a 7 vezes mais elevado de desenvolver TEV, sendo que aproximadamente 15% destes irão apresentar este diagnóstico ao longo do curso da sua doença, sendo este valor influenciado por fatores individuais do doente, pelas características da doença de base, do tratamento em curso e outros biomarcadores.

O TEV agrava significativamente o prognóstico do doente oncológico, com um impacto considerável na qualidade de vida, dado que exige terapêutica anticoagulante prolongada, com um risco apreciável de recorrência e de potenciais complicações hemorrágicas.

O diagnóstico desta entidade deve ser considerado uma prioridade, pelo que a educação dos doentes e profissionais de saúde para a valorização de sinais e sintomas é essencial, no sentido de solicitação dos exames auxiliares de diagnósticos adequados, salvaguardando a franja de episódios assintomáticos, detetados em exames imagiológicos de rotina para avaliação ou estadiamento da doença, e para controlo da resposta ao tratamento oncológico.

Nas últimas décadas, as heparinas de baixo peso molecular (HBPM) foram consideradas a opção farmacológica de primeira linha para profilaxia e tratamento de trombose associada a cancro, pois demonstraram superioridade face aos antagonistas da vitamina K (AVK), reduzindo o risco de recorrência de TEV, sem aumento significativo de hemorragia.

Contudo, a taxa de retrombose nesta população manteve-se elevada, podendo este facto ser justificado em parte, pelas limitações associadas às HBPM, nomeadamente, a necessidade de administração parentérica e o custo elevado, o que pode conduzir a uma adesão deficiente a longo prazo.

Atualmente, a prescrição de anticoagulantes orais diretos (ACOD), como estratégia de tratamento e profilaxia de TEV em Oncologia, configura a primeira opção terapêutica, segundo as principais guidelines internacionais.

Apesar destas indicações, a prescrição de um ACOD no doente com cancro não é linear, dado que apesar das vantagens inequívocas associadas, existem limitações relevantes à sua utilização, devendo ser preteridos em doentes de elevado risco hemorrágico, nomeadamente com lesões ativas da mucosa (gastrointestinais ou génito-urinárias luminais), antecedentes de hemorragia recente, trombocitopenia, insuficiência renal ou hepática graves, presença de potencias interações farmacológicas, em situações de extremos de peso corporal, ou ausência de via oral patente, no decurso de náuseas ou vómitos, secundárias às terapêuticas antineoplásicas.

Assim sendo, a abordagem do tratamento de TEV no doente oncológico é considerado um desafio constante e dinâmico, sendo fundamental selecionar a classe farmacológica mais adequada, perante a gravidade do evento tromboembólico e sua localização, a patologia oncológica de base e as características inerentes do doente. Nunca deve ser descurada uma definição do período adequado de tratamento, que deve ser mantido enquanto doença oncológica ativa, mas salvaguardando avaliações médicas periódicas, com valorização de condições clínicas e parâmetros analíticos, com estimativa seriada do risco trombótico e hemorrágico.

 

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