5 Jul, 2023

Cérebro e coração. “Queremos criar a noção de urgência de um Programa de Reabilitação Multidisciplinar”

Foi criada recentemente a Coligação Nação Invisível pela saúde cérebro-cardiovascular dos portugueses. Trata-se de um movimento agregador de todas as esferas da sociedade que queiram contribuir para uma atuação integrada na prevenção, diagnóstico atempado e acompanhamento adequado na doenças cérebro-cardiovasculares. A Coligação resulta de uma colaboração entre a Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca (AADIC), a Fundação Portuguesa de Cardiologia (FPC), a Portugal AVC – União de Sobreviventes, Familiares e Amigos (PT.AVC), e a Novartis. Em entrevista ao SaúdeOnline, António Conceição, presidente da Portugal AVC, fala-nos deste movimento.

Como surgiu a ideia de criar o movimento Coligação Nação Invisível pela saúde cérebro-cardiovascular dos portugueses?
Partiu de uma convergência de vontades entre as três associações fundadoras, que trilham caminhos complementares, e da Novartis. Acreditamos que desta forma chegaremos mais longe, seremos capazes de aumentar o impacto da causa junto da população, envolver ainda mais as sociedades científicas e outras associações e organizações, e, cada vez mais, mobilizar cidadãos e decisores.

Quais os principais objetivos deste movimento?
É objetivo primordial mobilizar a comunidade das doenças cérebro-cardiovasculares, ou seja, as sociedades científicas, outras eventuais associações e organizações, para a sensibilização das autoridades de saúde e da sociedade. É urgente alterar o paradigma de abordagem atual, e, subsequentemente, o impacto negativo tão forte na saúde dos portugueses.

É nossa intenção combinar o foco em medidas preventivas primárias e secundárias, nos fatores de risco das doenças cérebro-cardiovasculares, e também numa forte melhoria da reabilitação.

 

“É nossa intenção combinar o foco em medidas preventivas primárias e secundárias”

Quais as atividades que têm para já previstas?
A Coligação disporá de um Comité de Gestão que irá definir metas e indicadores globais a abordar e a atingir, bem como desenvolver e aprovar um Plano Estratégico e um Plano Operacional.

Mas claro que há atividades, como estudos, campanhas, ações no terreno, e outras, também para sensibilizar a sociedade, as organizações que trabalham na área, e mesmo as autoridades de saúde, que são indissociáveis da natureza da Coligação.

A que necessidade(s) da nossa sociedade pretende responder?
Queremos desenvolver um programa focado em desencadear uma mudança de comportamento na sociedade, também junto das pessoas que já sofreram na sua vida um evento ou que têm fatores de risco particularmente acrescido. E, junto dos decisores, para que a saúde cérebro-cardiovascular seja uma prioridade. Continuam a ser a primeira causa de morte e a primeira causa de incapacidade em Portugal.

Qual a mais-valia da Coligação entre as AADIC, FPC e Portugal AVC?
As associações têm, não só histórias e percursos diferentes, como uma abordagem, em certa medida, complementar, de um mesmo contexto, ou idêntico. Preocupamo-nos com o acidente vascular cerebral (AVC) e o enfarte do miocárdio, antes de mais. O cérebro e o coração. Estamos perante as duas mais prevalentes causas de morte e de incapacidade, em Portugal. Colocando em comum a sua essência e experiência, aproveitando as sinergias criadas, poderemos aumentar o impacto da causa.

“Preocupamo-nos com o acidente vascular cerebral (AVC) e o enfarte do miocárdio, antes de mais. Estamos perante as duas mais prevalentes causas de morte e de incapacidade, em Portugal”

 

As DCCV são a principal causa de morte evitável no nosso país, bem como a primeira causa de incapacidade. Além disto, o que é que os números nos indicam?
Que estão muito longe de merecer a atenção política e mediática que devia ter. Nunca foram, e cada vez menos podem ser consideradas como tal, doenças de velhos, ou que só atingem pessoas com hábitos desregrados. São uma realidade, transversal a rigorosamente todas as idades, que atinge um número seguramente bem superior a duas centenas de milhar de portugueses. A que acrescem cuidadores e familiares, que veem, frequentemente, a sua vida fortemente condicionada. Têm um impacto e números, nas pessoas, nas famílias, na sociedade, no próprio Estado, que não podem deixar de nos preocupar a todos.

Além das consequências óbvias para os doentes, estas patologias são também um peso para o Governo em termos de tratamento e laborais?
São, mas muito por “culpa própria”, por decisões erradas continuadas! Logo quando acontece um AVC ou enfarte, demasiadas vezes há critérios económicos irracionais, por exemplo na “escolha” dos transportes, comprometendo o futuro de pessoas, vindo a gerar custos de dezenas ou centenas de milhares de euros ao longo da vida, para o próprio Estado, para todos nós. Sendo um momento em que todos os minutos contam, é inconcebível que se sigam os ditos critérios economicistas (por vezes), nomeadamente no transporte intra-hospitalar. Por exemplo, a ambulância mais “económica” ou por um contrato com os prestadores, demora significativamente mais, não importa que se espere, por vezes mais de uma hora…

Depois, a reabilitação, coordenada, multidisciplinar, começando logo após o evento, com qualidade e eficácia, e sem tempos pré-estabelecidos, é absolutamente fundamental. Só que isto não se verifica, para a grande maioria das pessoas. Não é um custo, mas um claro investimento com retorno. Há suporte científico e segurança para afirmar que muitos cuidados de reabilitação são custo-efetivos na melhoria dos resultados funcionais.

De facto – e está no manifesto da Coligação – temos que “criar junto dos decisores em saúde a noção de urgência de um Programa de Reabilitação Multidisciplinar, acessível a todos, a curto, médio e longo prazo, importante para o doente cardíaco e extremamente crucial para o sobrevivente de AVC”.

Quais as expectativas para Coligação Nação Invisível pela saúde cérebro-cardiovascular dos portugueses?
O trabalho da Coligação incentivará ações concretas – centradas nas autoridades de saúde nacionais e locais, mas também nas organizações da sociedade civil e cidadãos – para mudar a realidade das doenças cérebro-cardiovasculares em Portugal.

Esperamos ter o contributo de muita gente para podermos ajudar a melhorar significativamente a situação.

 

Texto: Sílvia Malheiro

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