4 Jan, 2023

“Serei um bastonário de intervenção, e não complacente com a degradação do SNS”

Em entrevista, o atual presidente da Secção do Centro da Ordem dos Médicos, e candidato a bastonário, garante que se fará ouvir se for o escolhido para liderar a OM. Carlos Cortes aponta a degradação do SNS como o maior desafio que o sistema de saúde enfrenta, explica as propostas que tem para a OM e diz que fará “todas as mudanças sem receio”.

Na apresentação da sua candidatura disse que pretende ser um provedor do doente. Em que consiste essa tarefa?

Consiste em defender a qualidade dos cuidados de saúde, as leges artis, a verdade científica e as condições adequadas para se poderem praticar cuidados de saúde. Nesse sentido, o bastonário da OM tem de ser o provedor do doente, defendendo as melhores condições de acesso e tratamento dos doentes aos cuidados de saúde. A provedoria do doente, que proponho, tem áreas de diferenciação dentro da OM: o papel dos colégios de espacialidade na defesa da atualização científica e tecnológica; um gabinete de apoio ao doente. A OM tem de se colocar na sociedade como a entidade que defende os doentes.

Quais são os principais desígnios da sua candidatura?

O primeiro é a defesa da qualidade da Medicina. O segundo é a dignificação da profissão médica, através de verdadeiras carreiras médicas nos três setores (público, privado e social) com progressões. A dignificação passa também, embora este seja um aspeto de cariz sindical, pelos vencimentos adaptados à responsabilidade dos médicos. A OM tem de defender esses vencimentos. O terceiro aspeto é, e assumindo o legado dos dois anteriores bastonários, fazer uma transformação e modernização da OM, nomeadamente aperfeiçoar a OM do ponto de vista administrativo, permitindo uma maior aproximação aos associados.

 

 

A propósito disso, como é que responde às críticas que têm sido feitas, inclusive por alguns candidatos a esta eleição, de que o papel da OM se tem confundido, em certos momentos, com os dos sindicatos?

 

Quem faz essa crítica está contra a OM. A OM não tem tido, em nenhum momento, atividade sindical. A OM tem sido interventiva, com uma grande presença na opinião pública mas não tem desenvolvido nenhuma atividade sindical. Aliás, nunca nenhum sindicato se queixou de que a OM estivesse a ocupar o seu espaço. Quem faz essa crítica são os inimigos da OM, que querem atacar e denegrir a OM.

Portanto, se o Dr. for eleito bastonário, vamos continuar a ter uma OM combativa?

Serei um bastonário de intervenção, sem dúvida nenhuma. Mas também, tendo em conta o momento que estamos a atravessar, sei um bastonário que constrói pontes, nomeadamente com o poder político, para ajudar os governantes a tomarem decisões e concretizá-las. Tenho esse sentido de responsabilidade mas não serei um bastonário do silêncio nem complacente com a degradação do SNS.

“A OM não tem tido, em nenhum momento, atividade sindical”

Qual é, para si, o maior desafio que o sistema de saúde português enfrenta atualmente?

Neste momento é precisamente a degradação do SNS, a vários níveis. Estamos a viver aquilo que foi o desinvestimento de muitos anos no SNS. Os edifícios degradam-se e não houve uma renovação dos equipamentos para os hospitais e centros de saúde. Também não houve uma aposta em recursos humanos e médio e longo prazo, que se reflete na incapacidade do SNS para captar profissionais – as condições são muito penosas para os médicos e é visível a desmotivação.

É evidente que existe também um prejuízo para a formação dos médicos, que é um aspeto essencial. Eu tenho uma enorme sensibilidade na questão da formação.

Precisamos de uma grande reforma no SNS. Todos os diagnósticos já foram feitos, muitas soluções já foram apresentadas (inclusive soluções adaptadas às diferentes realidades do país). O que é tem faltado ao poder político é a concretização.

Um dos pilares da sua candidatura é a união entre todos os médicos. Estão a começar a formar-se dois mundos distantes, com um fosso cada vez maior a separá-los, entre os médicos do setor público e os do setor privado?

Já que me fala de união, queria saudar as seis candidaturas a esta eleição, que ajudam à discussão. A classe médica é, de facto, muito diferente. Eu não me estou a candidatar a bastonário dos médicos do SNS ou do setor privado e social, mas sim a bastonário de todos os médicos. Quando olho para os médicos, olho numa perspetiva técnica, que é independente do contrato de trabalho ou da unidade onde trabalham.

Quanto ao que me pergunta, é verdade que o crescimento do setor privado não tem sido devidamente acompanhado. Quero inverter essa tendência, olhando para os médicos como um conjunto. Por isso, defendo carreiras médicas transversais, com progressões definidas.

Entre os gabinetes temáticos que estou a pensar criar, vou incluir médicos de todos os setores.

“Quero capacitar os colégios da especialidade através de um apoio administrativo e jurídico mais adequado”

Que mudanças pretende fazer na organização da OM?

Desde logo, quero aprofundar o que tem sido desenvolvido pela OM nos últimos anos, como a criação de um fundo de apoio na área da formação médica. Proponho-me a alargar esse fundo, que neste momento tem mais de 200 mil euros, bem como a alargar os critérios para poder contemplar mais médicos. Estará mais concentrado na necessidade de formação dos jovens médicos mas será para todos o médicos.

Vou introduzir mudanças profundas na OM, como a reestruturação do apoio aos colégios da especialidade, que são a joia da coroa da OM. Quero capacitar os colégios através de um apoio administrativo e jurídico mais adequado. Vou também criar um órgão de acompanhamento e supervisão dos colégios.

Vou criar um gabinete um gabinete de medicina baseada na evidência. Um dos maiores flagelos em Portugal é mentira das práticas alternativas. Cabe à OM denunciar práticas que não tenham a ciência como base.

Outro gabinete importante é o de apoio ao médico, com várias vertentes. Uma delas é a violência contra profissionais de saúde. Vou insistir numa lei mais rígida. O gabinete de apoio ao médico mas deve apoiar também os médicos em situação de burnout e exaustão.

Pretendo também fortalecer o fundo de solidariedade (que tem perto de meio milhão de euros) e que ajuda médicos com pouca capacidade financeira para fazer face às suas necessidades básicas. Os médicos perderam, nos últimos dez anos, 30% do seu poder de compra. Cada vez temos mais médicos a pedir ajuda à OM.

Outras das propostas é a criação de uma Academia OM, uma grande inovação, que vai centralizar, numa plataforma, os recursos que podem ser dados aos médicos.

Quero que os médicos sintam que há retorno direto das quotas para as suas necessidades.

Teme que a polémica em que se viu envolvido, relacionada com a celebração de contratos aparentemente ilegais entre a Secção Regional do Centro da OM (de que é presidente) e uma empresa de consultoria possa prejudicar a sua candidatura?

Quem fez a denúncia anónima foi maldoso. Essa denúncia surgiu com a minha candidatura – o que é uma coincidência. No entanto, a Ordem dos Médicos (e não apenas a Secção Regional do Centro) percebeu que tinha de aperfeiçoar alguns dos seus procedimentos administrativos, respeitando a contratação pública. Contratámos, a nível nacional, um jurista especializado em contratação para dar resposta a essa questão. Esta é uma questão transversal à OM.

Tendo em conta o que conhece das propostas dos outros candidatos, porque devem os médicos votar em si nas eleições de janeiro?

O que posso dizer para que votem em mim são, fundamentalmente, três aspetos: a defesa das condições de trabalho para os médicos; a defesa a qualidade dos cuidados de saúde; e a transformação da OM – sei exatamente aquilo que pode ser feito internamente, pelo que farei todas as mudanças sem nenhum receio.

SO

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