Cancros digestivos. “A IA vai ser fundamental no futuro da Gastrenterologia”
Os cancros digestivos são uma preocupação, sobretudo no mundo ocidental. Ricardo Rio-Tinto, consultor de Gastrenterologia na Fundação Champalimaud, alerta para os mais prevalentes, conhecidos por big five, e destaca a importância da inteligência artificial (IA) no diagnóstico precoce.
Quais os cancros digestivos mais prevalentes em Portugal?
Os cancros digestivos mais frequentes/prevalentes em Portugal são, muitas vezes, designados de big five. É o cancro do cólon e reto (CCR), o mais frequente dos cancros digestivos em Portugal e um dos mais frequentes em geral. O cancro do estômago é outro que, em Portugal, tem um padrão muito particular, ao manter uma prevalência alta na sua apresentação clássica, apesar de recentemente ter aumentando em relação ao esófago de Barrett (adenocarcinoma do cárdia), acompanhando uma tendência homogénea no Ocidente.
O carcinoma hepatocelular (CHC), ou cancro do fígado, é bastante menos comum do que os anteriores, mas em Portugal tem uma expressão importante, uma vez que há uma relação com a prevalência de doença hepática, nomeadamente alcoólica. O cancro do esófago, que é menos frequente do que os anteriores, tem também uma expressão importante. Se considerarmos o adenocarcinoma do cárdia, a sua incidência tem, como já disse, aumentado.
Por fim, o cancro do pâncreas, menos frequente, tem aumentado a sua incidência, o que se traduz num enorme desafio por causa da sua elevada mortalidade e pelo desafio terapêutico. Prevê-se que no futuro será o tipo de cancro com maior mortalidade nos países ocidentais.
Qual a principal causa dos big five? Serão os estilos de vida pouco saudáveis?
Os estilos de vida têm uma influência determinante no aparecimento de todos os cancros digestivos, mas há também fatores genéticos e outros (ex. infeciosos): dietas ricas em carnes vermelhas podem favorecer o aparecimento de cancro colorretal; os alimentos processados, o sal e os alimentos fumados, para além da infeção por Helicobacter pilory, favorecem o aparecimento das formas clássicas de cancro do estômago; o álcool e os vírus da hepatite B e C associam-se ao CHC; e o tabaco e o álcool são determinantes para o aparecimento do cancro do esófago. Por outro lado, para além do álcool e do tabaco, a exposição a ‘químicos alimentares’, produtos de degradação do plástico, e outros, podem estar relacionados com o aumento exuberante da prevalência do cancro do pâncreas. Não quero deixar de referir a obesidade e o sedentarismo, que se associam a um aumento de incidência de vários tumores, incluindo digestivos.
“A aplicação de tecnologia de IA no diagnóstico e tratamento de doenças digestivas, em particular do cancro, ainda é incipiente”
Em Portugal, o diagnóstico deste tipo de cancro ainda é tardio? Porquê?
É verdade e isso é ao mesmo tempo motivo de frustração e de esperança. De frustração, porque traduz de certa forma a falência ou inexistência de programas de rastreio bem desenhados, bem implementados e eficazes/eficientes. De esperança, porque sabemos que o diagnóstico de lesões pré-malignas se traduz na redução da incidência e que o diagnóstico precoce dos cancros digestivos se associa a uma melhoria evidente do prognóstico.
“… surgirão sistemas de IA que nos poderão assistir na seleção de grupos de risco, na decisão terapêutica e até na execução de técnicas de ressecção endoscópica”
Qual o papel da inteligência artificial (IA) no diagnóstico e tratamento do cancro digestivo?
A aplicação de tecnologia de IA no diagnóstico e tratamento de doenças digestivas, em particular do cancro, ainda é incipiente. No entanto, a Gastrenterologia é uma das disciplinas da medicina com maior potencial para aplicação de IA. A imagem é fundamental no diagnóstico de lesões malignas e pré-malignas e os sistemas de identificação / caracterização de lesões assistidos por IA vão seguramente ser incorporados, de forma universal, pela Gastrenterologia.
Este tipo de ferramentas já começa a estar disponível de uma forma mais universal ou ainda é preciso dar mais passos nesse sentido?
Já temos disponíveis sistemas eficazes na identificação de lesões em colonoscopia e que têm demonstrado aumentar substancialmente a acuidade na deteção de pólipos do cólon. Mas a aplicação da IA no manejo do cancro gástrico vai seguramente ultrapassar muito a sua aplicação na análise da imagem endoscópica e antecipo que, em breve, surgirão sistemas de IA que nos poderão assistir na seleção de grupos de risco, na decisão terapêutica e até na execução de técnicas de ressecção endoscópica. A IA vai ser parte fundamental no futuro da Gastrenterologia.
MJG
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