“Em Portugal não existe um programa de deteção precoce do cancro do pulmão”
Vítor Fonseca, coordenador da Unidade de Pneumologia do Hospital Dr. José de Almeida, em Cascais, alerta para o impacto das doenças respiratórias, nomeadamente do cancro do pulmão. Para o especialista é essencial apostar-se num programa de deteção precoce deste tipo de cancro.
Os resultados apresentados no mais recente relatório do Forum of International Respiratory Societies (FIRS) demonstram que as doenças respiratórias continuam a ser uma das principais causas de mortalidade e de incapacidade em todo o mundo. Quais são as mais preocupantes?
As doenças respiratórias representam um desafio crescente para os sistemas de saúde, afetando milhões de pessoas em todo o mundo. Cinco das doenças respiratórias mais comuns (DPOC, asma, infeções respiratórias baixas, tuberculose e cancro do pulmão) impactam significativamente os sistemas de saúde a nível global, afetando e matando milhões de pessoas por ano.
Mais de 2,4 milhões de mortes anuais são causadas por infeções respiratórias baixas, sem contarmos com a pandemia da covid-19, vírus respiratório responsável por 7 milhões de mortes globalmente. Estima-se que 200 milhões de pessoas tenham doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), com cerca de 3,2 milhões de mortes anuais. Isso faz da DPOC a terceira principal causa de morte em todo o mundo. Por outro lado, a asma afeta mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo e é a doença crónica mais comum na infância. A prevalência da asma tem aumentado nos últimos 30 anos.
Em 2020, em média, existiam 2,2 milhões de novos casos de cancro do pulmão, responsável por 1,8 milhões de morte, globalmente. Representa 11,4% de todos os tumores diagnosticados globalmente, mas com uma fatia maior de 18% quando toca a sua importância na mortalidade do foro oncológico. Sabendo que 85% a 90% dos casos oncológicos são provocados pela exposição ao fumo do tabaco, por isso continua a ser urgente o seu controlo e redução, sobretudo para as gerações vindouras.
Relativamente aos tratamentos, o que gostaria de destacar nessas diferentes patologias?
Na última década têm existido muitos avanços nas terapêuticas das doenças respiratórias, quer a nível de terapêutica inalada, quer em terapêutica para o cancro do pulmão, onde se tem assistido a inovações quase todos os meses.
A nível da patologia obstrutiva, as novas triplas para a DPOC e para a asma têm ajudado na estabilização destas doenças, com menos exacerbações e menos internamentos. Destaca-se, sobretudo, a terapêutica biológica na asma grave, que possibilitou a redução de sintomas, exacerbações e internamentos de muitos doentes que estão entregues a anos de corticoterapia oral e agora assistimos à introdução da terapêutica biológica no doente com DPOC, criando uma via de tratamento nestes doentes. O surgimento de novas vacinas, como a vacina do vírus sincicial respiratório (VSR) e o upgrade da vacina pneumocócica 15 e 20 valente, permite igualmente uma maior e melhor imunização dos doentes respiratórios, reduzindo infeções e hospitalizações, sobretudo em doentes crónicos.
Apesar destes avanços na terapêutica farmacológica, não posso deixar de falar na importância da terapêutica não farmacológica, onde a reabilitação respiratória, ferramenta de importância vital para o doente crónico, continua a ser preterida e afastada do nosso arsenal terapêutico, sendo fundamental a sua inclusão na prescrição de cuidados domiciliários, de forma a permitir um acesso mais amplo de reabilitação respiratória a todos os doentes respiratórios, em vertente de reabilitação domiciliária e/ou telereabilitação.
“Não de menor importância, o acesso a exames respiratórios e estudos do sono por parte dos colegas dos cuidados de saúde primários permitiria reduzir muita da pressão atual sobre os serviços de Pneumologia hospitalares”
Em termos de prevenção, o que está a falhar, na sua opinião?
A nível de prevenção está a falhar, sobretudo, a política anti-tabágica para as gerações vindouras, já que se sabe que a adoção de medidas anti-tabágicas terá um impacto direto na redução da DPOC e do cancro do pulmão em Portugal, bem como de outras doenças diretamente relacionadas com o fumo do tabaco.
Atualmente, em Portugal, não existe um programa de deteção precoce do cancro do pulmão, que tem vindo a crescer nos últimos anos (sobretudo no período pandémico). Sabemos nos dias de hoje, devido ao exemplo de outros países, que a implementação deste programa de detecção precoce permite reduzir em muito a mortalidade desta doença oncológica, com impacto direto na redução da morbilidade e dos custos diretos associados a doença, que tem vindo a ter um peso cada vez maior nos serviços de Pneumologia e Oncologia.
Não de menor importância, o acesso a exames respiratórios e estudos do sono por parte dos colegas dos cuidados de saúde primários permitiria reduzir muita da pressão atual sobre os serviços de Pneumologia hospitalares, permitindo uma triagem do doente na “fonte” com orientação primária e consultadoria, evitando deste modo consultas e utilização de recursos desnecessários a nível hospitalar.
Deveria haver mais consultas de cessação tabágica?
A consulta de cessação tabágica é marcada pelo grande absentismo por parte dos doentes e, infelizmente, ainda com uma elevada taxa de insucesso terapêutico, o que por vezes a torna extremamente difícil. Julgo que deveria haver mais consultas de cessação tabágica multidisciplinares, mas acredito que estas consultas serão desnecessárias com uma política de prevenção e luta anti-tabágica mais fortes e incisivas, com medidas mais fortes e proibitivas relativamente ao tabagismo.
O mote deste ano do Dia Mundial do Pulmão foi “Ar puro e pulmões saudáveis”. A saúde ambiental deve mesmo ser cada vez mais uma preocupação?
Sim, importa sensibilizar a população portuguesa para a grande carga global de saúde que as doenças respiratórias representam em todo o mundo, bem como para a importância de se prevenir e tratar estas patologias. Globalmente, mais de 2,4 mil milhões de pessoas estão expostas a fumo tóxico no ar (combustíveis de biomassa). Além disso, 1,3 mil milhões de pessoas fumam, causando 8 milhões de mortes evitáveis por doenças respiratórias ou cardiovasculares. É de extrema importância a melhoria da saúde ambiental.
MJG
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