Cancro da mama. “O diagnóstico precoce é um desafio muito importante”

“Cancro da mama hereditário – inscrito nos genes, modulado pela ciência” é o mote das XX Jornadas de Senologia, que se vão realizar de 12 a 14 de outubro, no Centro de Congressos, na Herdade dos Salgados, em Albufeira. José Carlos Marques, presidente da Sociedade Portuguesa de Senologia, refere que vão ser focadas múltiplas áreas relacionadas com esta temática que apresenta muitos desafios aos profissionais, desde a identificação dos portadores de mutação, medidas preventivas, diagnóstico precoce e impacto terapêutico.

Quais são principais objetivos destas jornadas?
As Jornadas de Senologia deste ano são dedicadas ao cancro da mama hereditário e têm como objetivo abordar este tema e toda a problemática em torno do mesmo.

O cancro da mama hereditário é uma área na qual se levantam questões e dúvidas aos profissionais de saúde, fazendo com que seja importante discutir estes temas e promover a partilha de experiências, juntando múltiplos profissionais de diferentes áreas, da genética à oncologia médica.

 

Quais são os principais temas que serão abordados no que respeita ao cancro da mama hereditário?
Vamos tratar múltiplos temas que esta área do cancro da mama hereditário nos suscita, desde a identificação dos portadores de uma mutação até ao tratamento das que apresentam cancro da mama. Começamos por uma abordagem aos testes genéticos, falando daqueles que existem e para quem se destinam; assim como sobre o que os profissionais podem e devem fazer após o resultado dos testes. Vamos também falar da rede de referenciação em Oncogenética, até porque a própria acessibilidade aos testes não é igual, consoante as instituições em que se trabalha.

Outro aspeto importante é a forma de comunicação e de divulgação dos resultados aos portadores e aos familiares. Trata-se de uma área muito particular em que a partilha de experiências é muito importante.

Quais as ferramentas de que dispomos para avaliar o risco e os achados que, nas diferentes áreas, no âmbito da Anatomia Patológica e da Imagiologia, nos podem apontar para um possível cancro hereditário.

O portador de risco genético sem cancro é outro tema que será tratado. Ou seja, de que forma devemos proceder em relação às medidas redutoras de risco, não apenas de âmbito cirúrgico, mas também em termos de prevenção farmacológica e do rastreio personalizado.

Por outro lado, os portadores de risco com cancro levantam outras questões e desafios na área do tratamento, com especial relevo no tratamento sistémico.

Os sobreviventes de cancro com risco genético, levantam questões particulares no que respeita às estratégias de vigilância após o tratamento.

Será dado relevo às questões psicossociais, assim como ao aconselhamento genético e aos protocolos de vigilância.

Vamos tocar em todas as áreas relacionadas com o cancro da mama hereditário, que nos colocam novos desafios que requerem dos profissionais uma abordagem multidisciplinar.

 

Qual a incidência e a prevalência para o cancro da mama em Portugal?
De acordo com dados disponíveis, em Portugal, são diagnosticados cerca de 7 mil novos casos por ano. Sabemos que um pouco mais de metade dos casos são diagnosticados na faixa etária entre os 50 e os 70 anos, no rastreio de base populacional.

Por outro lado, é também sabido que a outra metade, se reparte de modo sobreponível entre as mulheres com mais de 70 anos e as com menos de 50 anos, por conseguinte, em faixas etárias fora dos programas de rastreio de base populacional. Cerca de 18% dos cancros são diagnosticados entre os 30 e os 50 anos. São estes cancros, em mulheres mais jovens, que, muitas vezes, estão associados a mutação genética e ao cancro hereditário.

 

“De acordo com dados disponíveis, em Portugal, são diagnosticados cerca de 7 mil novos casos por ano”

 

Além da hereditariedade, quais são os principais fatores de risco?
Por um lado, a história familiar é muito importante, não só para detetar famílias com mutação genética como para identificar famílias com um risco alto, nas quais não é demonstrada nenhuma mutação genética e que carecem de vigilância ativa.

Existe um outro fator de risco – a densidade mamária – que, atualmente, já é incluído nos testes de avaliação de risco e quanto maior for a densidade mamária, maior é o risco de cancro da mama.

Existem outros bem conhecidos, uns modificáveis e outros não, e que estão relacionados com a história pessoal de cada mulher, como a idade da menarca, da menopausa, número de filhos e idade do primeiro parto, a amamentação, assim como, com os hábitos de vida: a alimentação, o tabaco, as terapêuticas hormonais, entre outros. Há uma multiplicidade de fatores que acabam por ter influência.

 

“Cerca de 18% dos cancros são diagnosticados entre os 30 e os 50 anos. São estes cancros, em mulheres mais jovens, que, muitas vezes, estão associados a mutação genética e ao cancro hereditário”

 

Quais são os principais desafios que os profissionais enfrentam na abordagem destas doentes e das suas famílias?
O primeiro desafio é conseguir fazer a deteção de precoce, que é determinante. A evolução do tratamento tem sido impressionante, as terapêuticas disponíveis hoje em dia são múltiplas, com terapêuticas-alvo e uma decisão personalizada em função da pessoa e do seu tumor. Contudo, o momento do diagnóstico continua a ser muito importante para o sucesso do tratamento. O diagnóstico precoce é um desafio muito importante.

Por outro lado, esse desafio é tanto maior quanto mais jovens são as mulheres, porque a dificuldade está precisamente nesses grupos etários. É preciso que os profissionais estejam atentos e que disponham de ferramentas para poder avaliar o risco e determinar a partir de que idade se deve, individualmente, começar a fazer exames de rastreio, de modo a não atrasar um diagnóstico de cancro.

Uma vez diagnosticado, o desafio é tratar de acordo com as melhores práticas e envolver a família. Nos casos em que há uma mutação genética comprovada a questão da comunicação é muito importante, tal como a identificação dos portadores sem doença na família, porque nem sempre as pessoas estão disponíveis para fazer os testes.

Há aqui uma problemática importante e a abordagem tem de ser multidisciplinar. Tem de se envolver diferentes profissionais, não só os do diagnóstico e do tratamento, mas também da área do apoio psicológico e do acompanhamento e aconselhamento genético, que é muito importante.

 

Falou há pouco em medidas de diminuição do risco para as famílias. Em que consistem?
Nas famílias em que se identifica uma mutação genética existem algumas medidas preventivas que permitem reduzir esse risco, nomeadamente, cirúrgicas.

Nas mulheres com mutações com risco elevado de cancro da mama, como as mutações nos genes BRCA devem-se considerar a prevenção ginecológica, com a ooforectomia bilateral e a mastectomia profilática.

Existe também a possibilidade de fazer prevenção farmacológica.

Este tipo de medidas tem de ser amplamente discutida com as portadoras positivas. As pessoas têm de ter tempo para refletir e ter o aconselhamento adequado, de maneira a tomarem as decisões de forma pensada.

Quando optam por não fazer a mastectomia profilática, as mulheres têm de integrar um programa de vigilância ativa, com ressonância magnética e mamografia anual.

 

Quais as suas expectativas para estas jornadas?
Temos a expectativa de que vão ser muito participadas. As nossas jornadas normalmente trazem profissionais de múltiplas áreas: da prevenção, do diagnóstico, do tratamento e dos cuidados primários.

As discussões que as várias mesas-redondas nos vão proporcionar, bem como algumas discussões práticas assentes em casos clínicos, em torno destes temas do cancro hereditário, vão ser muito úteis e acredito que todos vão retirar benefício de sua participação nestas jornadas.

 

SM

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