15 Mar, 2024

“As adolescentes já não são propriamente crianças, mas também ainda não são adultas”

No próximo dia 20 de março decorre o webinar “Consulta de Ginecologia na Infância e Adolescência”, organizado pelo Núcleo de Ginecologia da Infância e Adolescência da Sociedade Portuguesa de Ginecologia. A coordenadora do Núcleo, Filomena Sousa, alerta para as mais-valias deste apoio nos hospitais num momento em que estas consultas não são consideradas uma prioridade.

Qual a importância da Consulta de Ginecologia na Infância e Adolescência?

Os problemas ginecológicos nas crianças não púberes são pouco frequentes e os médicos de família, pediatras ou cirurgiões pediátricos nem sempre estão familiarizados com a abordagem e terapêutica que deve ser feita nestes casos. As adolescentes já não são propriamente crianças, mas também ainda não são adultas. Existem problemas e patologia ginecológica próprios desta faixa etária e particularidades que implicam uma adaptação no acesso, no atendimento e na conduta terapêutica.

 

É uma consulta comum nos hospitais ou ainda não está disponível, pelo menos de forma organizada e estruturada, a nível nacional?

Infelizmente, a maioria dos administradores hospitalares não reconhece estas diferenças e, perante a falta de recursos humanos, as consultas de Ginecologia para Adolescentes não são consideradas uma prioridade. A tendência é para terminar as consultas existentes. Algumas já fecharam e as que ainda funcionam lidam com dificuldades diárias que limitam a prestação de cuidados e desmotivam os profissionais envolvidos. Em Lisboa recebemos adolescentes de toda a zona sul do país, desde Santarém até Faro.

“As causas subjacentes podem ser doenças médicas ou malformações, mas, frequentemente, as queixas estão relacionadas com o estilo de vida”

Quais os principais problemas de saúde ginecológica na infância e adolescência e as causas subjacentes?

Na minha experiência, o principal motivo de consulta nas meninas pré-púberes é o desconforto vulvovaginal. Nas adolescentes, os principais motivos de consulta estão relacionados com a menstruação (dor, fluxo abundante ou irregularidades). As causas subjacentes podem ser doenças médicas ou malformações, mas, frequentemente, as queixas estão relacionadas com o estilo de vida, nomeadamente a alimentação desequilibrada, o sedentarismo e a desinformação nas redes sociais.

 

Existem muitos casos de gravidez na adolescência?

Os casos têm vindo a diminuir, devido ao maior uso de contraceção hormonal e não pelo recurso ao aborto. Os casos que existem estão muito associados a fatores socioeconómicos e culturais.

“As diferenças culturais e os traumas físicos e psicológicos são mais difíceis de lidar e implicam uma abordagem multidisciplinar”

Relativamente à contraceção, existe o fenómeno da aversão a hormonas?

As redes sociais têm um impacto muito grande na vida das adolescentes e algumas mensagens alarmistas divulgadas por pessoas sem escrúpulos disseminam-se facilmente com consequências graves na saúde das mulheres. Além das próprias adolescentes, algumas mães de adolescentes também não aceitam bem a utilização de contraceção hormonal, influenciando a conduta terapêutica e colocando em risco a saúde sexual e reprodutiva das mulheres.

 

Numa sociedade cada vez mais multicultural, que desafios enfrentam nesta consulta quando são raparigas oriundas de outros países ou culturas diferentes da portuguesa?

Na região de Lisboa esta é uma situação cada vez mais frequente. Temos adolescentes de países africanos, do Brasil, do Nepal, do Bangladesh, do Paquistão e ultimamente também da Ucrânia e outros países em guerra. A dificuldade na comunicação é um desafio relativamente fácil de ultrapassar em idades mais jovens, porque aprendem mais rapidamente a língua e utilizam facilmente a internet na tradução. As diferenças culturais e os traumas físicos e psicológicos são mais difíceis de lidar e implicam uma abordagem multidisciplinar.

 

Além deste webinar, o NGIA está a preparar outras iniciativas?

Este pretende ser o primeiro de vários webinars porque optámos por fazer formações curtas, no final do dia de trabalho, mas com possibilidade de interação com os participantes, em vez de uma formação mais prolongada, ocupando uma manhã ou uma tarde ao fim de semana, e com menos possibilidade de interação.

MJG

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