12 Set, 2024

“A enxaqueca não pode ser tratada como um mal menor”

No âmbito do Dia Europeu da Enxaqueca, Raquel Gil-Gouveia, médica neurologista e investigadora, fala ao SaúdeOnline desta patologia, que afeta cerca de 1,5 milhões de pessoas em Portugal. Deste valor, apenas 10 a 15% consegue ter resposta através de consultas diferenciadas. Nesse sentido, a associação MiGRA Portugal e a Sociedade Portuguesa de Cefaleias vão, ainda durante o presente mês, entregar ao Governo o documento “Recomendações para Melhorar os Cuidados de Saúde da Enxaqueca e Cefaleias”.

Raquel Gil-Gouveia aponta que o número de doentes com enxaqueca tratado com medicação inovadora (introduzida no Serviço Nacional de Saúde em 2019), é ainda muito baixo. Apenas uma média de 300 utentes são tratados anualmente, “proporção que é talvez 10 vezes inferior às necessidades atuais”, afirma a especialista.

“Uma vez que as cefaleias nunca foram tidas como uma prioridade, existe alguma dificuldade em termos de gestão. Os médicos de família, a quem se recorre em primeiro lugar, acabam por ter outros focos de atenção. (…) Assim, muitas vezes as cefaleias são remetidas para segundo plano e não têm o tempo de acompanhamento necessário”, explica.

Raquel Gil-Gouveia salienta que “é necessário um sistema de gestão que facilite o acesso ao tratamento mais adequado”. “Isto irá beneficiar, não só o próprio doente, que tem menos sintomas, mas também a economia do país, que investe num tratamento eficaz que diminui o absentismo laboral”.

Segundo a investigadora, a enxaqueca acarreta um impacto económico, que, como em qualquer outra doença, se divide em custos diretos e indiretos.

“Os custos diretos dizem respeito à despesa com os medicamentos, consultas, internamentos, tratamentos e exames”. Dentro deste campo, constam os custos suportados pelo SNS para tratar os doentes. Além disso, existe ainda o custo pessoal, dado que “muitos doentes optam por investir as suas economias no privado para tentarem obter tratamento, às vezes por opção, outras por falta de resposta no SNS”, afirma a neurologista.

Raquel Gil-Gouveia indica que, para a enxaqueca, os custos diretos de gestão da doença rondam 20% dos custos totais para a sociedade. Os restantes 80% são indiretos, estão mais relacionados com a perda de produtividade e com o absentismo laboral, uma vez que a enxaqueca afeta sobretudo pessoas jovens e a doença é mais severa na fase mais ativa da vida.

Já em termos de frequência e intensidade, atinge mais mulheres e de um modo mais forte e duradouro. Segundo a investigadora, para cada três mulheres afetadas por enxaqueca, há um homem com a mesma condição.

De salientar que “o diagnóstico da enxaqueca não precisa de qualquer exame”. “Necessita apenas de um médico com tempo para ouvir o doente do princípio ao fim.”

Também no que diz respeito à gestão da doença, os custos são “muito pouco significativos, uma vez que os fármacos maioritariamente utilizados são os mesmos há vários anos e são pouco dispendiosos”. “Existem, de facto, medicamentos mais recentes e onerosos, mas são apenas utilizados nos casos mais graves”, acrescenta.

A investigadora explica que, “à semelhança de outras doenças, também a enxaqueca pode apresentar cenários mais e menos graves”. “Em casos de doença menos grave, por mês, uma pessoa com enxaqueca terá, em média, cerca de três dias sintomáticos, durante toda a vida. Supondo que a pessoa consegue controlar dois deles com medicação, resta ainda um dia, que se repete mensalmente, em que isso não é possível.”

Para além disso, por se tratar de uma doença muito imprevisível, “acaba por ter impacto a nível pessoal, social e familiar”. “Nestas situações, a vida torna-se algo difícil de gerir, o que faz com que as pessoas se retraiam e tenham medo de assumir responsabilidades; acresce a incompreensão.”

Em tom de reflexão final, Raquel Gil-Gouveia assume que deseja que Portugal possa dar um passo em termos da organização de cuidados de saúde e que seja um exemplo europeu. “As dificuldades no acesso são um problema mundial, porque não se dá a devida prioridade a este tipo de patologias. Porém, acredito que temos a oportunidade de fazer a diferença.”

 

CG

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