“A Consulta Externa não resolve o problema dos doentes crónicos graves”

Ao SaúdeOnline, o presidente cessante da SPMI João Araújo Correia realça que "é responsabilidade dos hospitais criar áreas abertas de atendimento para os doentes crónicos graves em seguimento" e explica a sua visão do que deve ser o hospital do futuro.

A Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) e a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH) assinam, em parceria, o livro “Cuidados de Saúde de Proximidade – Um Roteiro para a Humanização e Integração”.

Com coordenação de João Araújo Correia (Presidente cessante da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna) e de Delfim Rodrigues (Coordenador do Programa Nacional de Implementação das Unidades de Hospitalização Domiciliária nos Hospitais do SNS e Vice-Presidente da APAH), o livro traz uma reflexão sobre como a medicina de proximidade e os cuidados integrados da doença crónica devem constituir-se objetivos primordiais dos Sistemas de Saúde atuais.

Governação, modelos de prestação de cuidados, tecnologias e transformação digital, capital humano, financiamento ou resultados clínicos são alguns dos assuntos que estruturam o livro.

Qual a ideia central do livro “Cuidados de Saúde de Proximidade – Um Roteiro para a Humanização e Integração”?

Este livro, pretende chamar a atenção de que as respostas em saúde nos dias de hoje, têm que se adaptar a uma população muito mais envelhecida, que padece de várias doenças crónicas em simultâneo, com uso de múltiplos fármacos. Por outro lado, o paradigma do tratamento do doente de certa gravidade obrigar ao internamento hospitalar está completamente ultrapassado.

A telemonitorização médica permite a vigilância apertada do doente no seu domicílio! A doença crónica específica (insuficiência cardíaca, DPOC, cirrose hepática, doença autoimune, etc), tem de ter uma porta aberta no Hospital, com uma equipa competente, que seja uma alternativa ao Serviço de Urgência. A ideia central do livro, é a da necessidade de fazer a cobertura nacional com os bons exemplos de “Medicina de Proximidade”, que temos em Portugal. Acreditamos que a descrição dessas unidades de tratamento, feita pelos seus mentores, associada á visão do Administrador Hospitalar, pode contribuir para reproduzir estes exemplos em muitos Hospitais!

Como se resolve, em Portugal, o crónico problema do recurso, muitas vezes desnecessário, às urgências hospitalares?

Há que distinguir o doente agudo do doente crónico, que recorre ao SU nas descompensações da sua doença, porque não lhe dão qualquer outra alternativa. É responsabilidade dos hospitais criar áreas abertas de atendimento para os doentes crónicos graves em seguimento. A Consulta Externa com data e hora marcadas, não resolvem o problema destes doentes!

Há muito que quem conhece o Serviço de Urgência que o problema das centenas de doentes que aí acorrem todos os dias, só se resolve com a obrigatoriedade do doente agudo, de gravidade ligeira a moderada, encontrar resposta nos Cuidados Primários de Saúde. Estes doentes, que não deviam sequer dar entrada no SU, correspondem a 40% do total de recursos. Ao contrário do que afirmam no spot publicitário, a entrada no SNS deve ser o Centro de Saúde e não a linha telefónica do SNS 24!

Qual a sua visão para o hospital do futuro? Será necessariamente mais pequeno, com menor capacidade de internamento? Que vantagens teria um modelo destes para os utentes?

O Hospital do futuro tem de ter um forte componente de ambulatório, passando o internamento a ser reservado aos doentes graves, que necessitem de uma vigilância apertada. Devem privilegiar áreas de diagnóstico rápido e utilizar todas as ferramentas da medicina digital e da telemonitorização.

Deverá vir a ser possível fazer o internamento no domicílio de doentes graves, com equipas de saúde competentes, o que prolongará a autonomia e atrasará as demências, que são a pandemia do nosso século! Não sei se poderão ser reduzidas camas hospitalares, porque os doentes internados serão cada vez mais velhos, com comorbilidades, o que irá prolongar os dias de internamento. Para as pessoas, poderem ser tratadas com excelência, sem recurso à cama do hospital, é uma conquista gigante! É claro que é uma conquista a fazer pouco a pouco, vencendo os medos dos dois lados, dos cuidadores e dos doentes.

SO

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