A comunidade migrante – quem são e que cuidados de saúde precisam?
Médica indiferenciada. UCSP Olivais, UCSP Marvila, CASU H. São José

A comunidade migrante – quem são e que cuidados de saúde precisam?

Outrora um país de emigrantes, Portugal tem-se tornado cada vez mais o destino de gentes que aqui procuram uma vida melhor. Em 20211, residiam em Portugal 700.000 estrangeiros de forma regular e mais de 38.000 de forma irregular2. Falamos não de uma, mas de múltiplas populações migrantes, com diferentes línguas, demografias, costumes, pools genéticas e condicionantes epigenéticas. Brasil, Índia, Nepal e PALOPs são os países terceiros3 mais representados; Itália e França encabeçam a lista dos países da UE. Do Brasil e PALOPs vêm maioritariamente migrantes do sexo feminino; da Ásia e EU, são principalmente do sexo masculino. Em Portugal, estas populações espalham-se assimetricamente, sendo Lisboa e Faro os distritos de fixação preferenciais.

Na consulta, as necessidades a identificar seguem o modelo biopsicossocial por nós já conhecido, com o ajuste necessário e ditado pela sensibilidade humana – importa ter a preocupação de perceber e se fazer percebido, sem preguiça de recorrer a ferramentas facilitadoras da comunicação; de considerar as diferentes designações e valorizações de certos sintomas, os diferentes hábitos alimentares, o recurso a “mezinhas” tradicionais. Importa perceber se a pessoa chegou há pouco tempo ou se já está estabelecida; se está isolada ou se tem uma rede de apoio; se está em suspenso ou se tem já projetos de vida aqui; se está dependente de apoio de terceiros ou se tem possibilidades para adquirir medicação.

Destaque particular é devido às pessoas migrantes em situação irregular, que constituem um grupo de extrema vulnerabilidade. Muitas destas pessoas trabalham, têm NIF e pagam impostos, mas não têm NISS ou NU. Com obstáculos burocráticos acentuadíssimos, as preocupações começam na possibilidade de um real acesso a cuidados de saúde. Tal implica, por um lado, a compreensão do funcionamento do SNS; por outro, uma inscrição adequada em RNU, com codificação que proteja os seus direitos previstos na legislação portuguesa, p.e. situações de cuidados urgentes e vitais, gravidez, menores ou acordos bilaterais estabelecidos entre Portugal e outros países de origem4. Não menos importante é a necessidade premente de agilizar a prescrição desmaterializada para estes utentes, oficializando a sua existência ao invés de os considerar “falência informática”.

Enquanto profissionais de saúde, não podemos deixar que impedimentos legislativo- burocráticos interfiram com a proteção da dignidade humana e a prestação adequada e efetiva de serviços de saúde.

1 Dados oficiais mais recentes disponíveis à data da presente publicação.
2 Um migrante irregular é alguém que se encontra num determinado território nacional sem os documentos adequados à sua permanência no mesmo. Estes valores dizem respeito a dados oficiais recolhidos pelo SEF e apresentados no seu “Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo 2021”; não incluem estimativas relativas a migrantes irregulares não identificados pelas autoridades.
3 Países que não Estados-membros da União Europeia.
4 Tal como definido na Circular Informativa n.º 12/DQS/DMD, de 7 de maio de 2009.
Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais