16 Jul, 2021

Associação Kanimambo. “O nosso objetivo é dar apoio contínuo a estas crianças moçambicanas até atingirem a maioridade”

A Associação Kanimambo, criada em 2012 por Margarida Carneiro, apoia atualmente por ano 400 crianças moçambicanas portadoras de albinismo.

A história da Associação Kanimambo remonta a 2012, quando duas irmãs portuguesas preparavam uma viagem a Moçambique. Aquando do planeamento do itinerário, descobriram uma realidade até então desconhecida e o que seria apenas uma viagem turística transformou-se no nascimento de uma associação portuguesa que anualmente apoia 400 crianças moçambicanas, portadoras de albinismo, através de cuidados de prevenção e de saúde naquele país africano.

 

Antes da partida para Moçambique, em pesquisas na internet, Margarida Carneiro e a sua irmã descobriram uma notícia que relatava uma situação extrema de perseguição e estigma contra pessoas com albinismo. Crimes como perseguição e assassínio eram atentados contra esta porção da população, existindo especificamente no Parque Nacional de Gorongosa várias crianças com albinismo que viviam escondidas da própria comunidade.

Segundo Margarida Carneiro “estas perseguições devem-se ao facto de a população acreditar que estas pessoas ao permanecerem vivas trazem má sorte à região, mas após a sua morte os seus membros são considerados um amuleto de sorte, sendo mesmo utilizados em rituais de magia”.

“Tive conhecimento de uma criança chamada Derton que viveu durante quatro anos escondida em casa, no Parque Nacional de Gorongosa. Como eu já tinha a intenção de passar pelo parque, falei com o diretor de comunicação do mesmo, Vasco Galante, e sugeri que seria interessante, para além da minha típica viagem turística, poder ajudar aquelas crianças levando protetores solares para os meninos daquelas comunidades – tendo em conta que estes são um bem muito caro, inacessível à maioria da população”.

À chegada ao local, Margarida e a sua irmã distribuíram todos os protetores solares e panamás que levavam consigo, mas foi no regresso a Portugal, ao contar esta história a amigos próximos, que se aperceberam que havia uma tentativa generalizada de ajudar estas crianças com albinismo e começaram a receber mais protetores solares do que número de crianças que tinham para ajudar.

“Nessa altura, convidei uma amiga a entrar neste projeto, que na realidade ainda era apenas uma vontade de ajudar. Então, eu e a Vera começámos a pesquisar por parceiros de confiança no local, a quem pudéssemos enviar os apoios recolhidos, tendo a certeza de que eles os iriam distribuir por estas crianças”, acrescentou Margarida.

Ainda antes do regresso a Portugal, Margarida ficou sem avião de ligação entre a Beira e Maputo. “Durante o tempo que estive no aeroporto, à espera do voo seguinte e sem eletricidade, comecei a falar com outro rapaz que estava na mesma situação que eu, e que se interessou muito pela nossa história. Disse ainda que ia estar ausente de Portugal durante uns meses, mas que quando regressasse queria reunir connosco”.

Foi deste modo que, em 2013, a então designada Missão Kanimambo começou a desenvolver contactos em Moçambique, junto de organizações locais de apoio a Pessoas com Albinismo e outras entidades. Foi ainda estabelecido em Portugal uma relação com a UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa), integrando-se nesse contexto na ONGD Memórias e Gentes, entidade com trabalho desenvolvido nos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).

A ajuda criada pela Associação Kanimambo foi crescendo e, do apoio inicial dado às crianças em Gorongosa, começou ainda a apoiar crianças na região de Inharrime, Nampula e Cabo Delgado. Em resultado do incremento da sua atividade, a Missão autonomizou-se, tendo-se estabelecido como Associação sem Fins Lucrativos no dia 28 de julho de 2016, assumindo a denominação “Kanimambo – Associação de Apoio ao Albinismo” e, a 20 de setembro de 2016, a Kanimambo foi reconhecida pelo Instituto Camões (Instituto da Cooperação e da Língua Portuguesa) como Organização Não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD).

Atualmente, apresenta três vetores de atuação: a sensibilização, a prevenção e a saúde. Ao nível da sensibilização, a Kanimambo já realizou simultaneamente em Portugal e Moçambique ações juntos das escolas, tendo recentemente criado um livro, para ser distribuídos nas escolas de Guiné-Bissau e Moçambique, onde duas pessoas da associação abordam temática da discriminação para um público infantojuvenil.

A prevenção é realizada através de acordos que fazem com parceiros, requisitando a doação de bens, preferindo a associação a recolha direta de materiais, ao invés da doação de ajudas financeiras.

“Anualmente temos parceiros que nos garantem que chegam protetores solares, cremes hidratantes e cicatrizantes, bem como panamás às cerca 400 pessoas que apoiamos em Moçambique”, acrescenta Matilde Carvalho, membro do departamento de comunicação e da direção da associação.

 

Matilde esclarece que o objetivo, “tendo em conta que 80% da população que ajudamos são crianças, é dar-lhes um apoio contínuo até que estas atinjam a maioridade”.

 

A prevenção dos estados de saúde destas crianças passa ainda pela doação de óculos graduados, prescritos individualmente a cada uma delas, bem como através de roupas que lhes permitam cobrir uma maior extensão de pele.

Já o vetor da saúde é assegurado por missões no terreno. Até ao momento já foram realizadas duas missões de Oftalmologia e uma missão de Dermatologia.

“Temos uma equipa de médicos que se voluntariam para fazer estas missões. No terreno observam as pessoas, na presença dos diretores de serviço dos hospitais, onde dão também uma palestra a nível académico aos médicos desses locais (Maputo e Nampula). Estas missões têm a duração de cerca de 2 semanas”.

 

 

Mun Yueh Faria, Oftalmologista

“Relativamente à área oftalmológica, as pessoas com albinismo óculo-cutâneo apresentam com frequência uma malformação nas vias óticas. São frequentes os estrabismos e o nistagmo (movimentos pendulares dos olhos que dificultam a focagem). Acrescente ainda que a retina, formada por várias camadas, necessita de uma camada de células do epitélio pigmentado para que os fotorreceptores possam funcionar de forma adequada.  Não havendo epitélio pigmentado, a retina está hipodesenvolvida, e a visão, mesmo com a melhor correção ótica, é relativamente baixa, da ordem dos 20%. Esta falta de pigmento também se manifesta na íris, o que tem como consequência maior sensibilidade à luz.

A equipa de oftalmologia, eu e a Dra. Ana Fonseca, avalia todas as alterações da motilidade, limitações da visão.

Os erros refrativos (miopia, hipermetropia, astigmatismo) são registados e medidos para elaboração de óculos graduados a entregar posteriormente a cada um dos doentes.

Nos hospitais centrais de Nampula e Maputo, colaboramos no que a oftalmologia mais necessita. Avaliação dos tumores oculares e cirurgia de catarata – patologia muito incapacitante e prevalente em África. Levamos material para cirurgia, mas temos mais preocupação em ensinar a operar do que operar, propriamente dito. Conseguimos inclusivamente que um oftalmologista de Moçambique realizasse um estágio de oftalmologia no Serviço de Oftalmologia do Hospital de Santa Maria, durante um ano. Importante para aprofundar conhecimentos e transmitir conhecimentos aos seus pares.”

 

César Martins, Dermatologista

 

“Até ao momento participei numa missão, em conjunto com o Dr. Ricardo Vieira. Em Nampula e Maputo, fizemos consultas às pessoas com albinismo, de forma a incutir a sensibilização para o sol e distribuímos também protetores solares. Realizámos ainda tratamentos de lesões passíveis de serem tratadas em consulta e, em situações mais complexas, realizámos cirurgias em ambiente hospitalar. Proporcionámos momentos formativos, com temas apresentados aos estudantes de Medicina em Nampula e Médicos de Família em Maputo.

O problema das pessoas com albinismo é o défice de melanina, que se vai repercutir sobretudo na pele e nos olhos. Desta forma, a sua pele não bronzeie e queima com facilidade desencadeando em jovens lesões pré-cancerosas e cancerosas de grande magnitude.”

Daniela Tomé

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