Tratar doentes oncológicos entre bombardeamentos e falta de eletricidade
Prestar cuidados a doentes oncológicos com poucos recursos humanos e materiais e, por vezes, no meio de bombardeamentos não é fácil. Na sessão “Oncologia em Situação Limite”, que decorreu esta manhã no Congresso, ouviu-se a experiência de três médicos na Ucrânia, em Cabo Verde e na Faixa de Gaza.
Humanismo e resiliência resumem os testemunhos de três médicos que prestam cuidados a doentes oncológicos. Na sessão desta manhã, começou-se por ouvir Yurii Kondratskyi, cirurgião oncológico e vice-presidente da Ukrainian Society of Clinical Oncologists (USCO), que teve de prestar cuidados no meio da guerra da Ucrânia. “Trabalhar com poucos recursos humanos e materiais, com falta de eletricidade, com bombardeamentos e soldados à nossa volta é muito difícil”, relatou.
Lembra que ainda houve a possibilidade de combater na guerra, mas acabou por ficar a trabalhar como cirurgião, dando apoio a todos os doentes, nomeadamente aos de trauma. Mas as condições foram sempre se deteriorando, sobretudo com a destruição de hospitais. Alguns centros oncológicos também foram atingidos e houve doentes que tiveram de fazer tratamento em caves ou em subterrâneos até conseguirem fugir e ir para outros países.
No meio do caos, Yurii Kondratskyi contou que tudo se fez para dar o melhor aos pacientes. Na guerra, como disse, “os doentes oncológicos deixam de ser uma prioridade” e os médicos têm de conseguir recorrer a diferentes estratégias para que mantenham os tratamentos. “Adaptamo-nos”, concluiu.
Também num cenário de guerra esteve Mhoira Leng, da Global Health Academy de Edinburgo (Escócia). É médica paliativista e já esteve em diferentes conflitos. Mas, mesmo no meio do caos, disse ser fundamental “não tirar o foco da palavra humanismo”.
Habituada a lidar com situações limite, onde a esperança desaparece, defendeu que os profissionais de saúde devem poder dar algum conforto. Exemplo disso, é o que aconteceu em Gaza. “No meio de bombardeamentos, o médico deu a mão a um doente com cancro do pulmão em estádio avançado…”, relatou. Com esta história bem real, a paliativista lembra que é importante também conversar.
Falou, ainda, da publicação do “Manifesto” sobre a melhoria do tratamento do cancro em populações afetadas por conflitos. Este documento estabelece sete prioridades fundamentais para garantir que os serviços oncológicos sejam preservados durante um conflito e apela a que Convenção de Genebra seja plenamente respeitada na proteção do pessoal médico, na proibição de ataques contra unidades médicas e na preservação dos direitos das pessoas doentes, incluindo aquelas diagnosticadas com cancro.
Os especialistas do manifesto recomendam também a criação de um grupo de trabalho, através da Organização Mundial da Saúde (OMS), para implementar e monitorizar os cuidados oncológicos nas populações afetadas por conflitos, nomeadamente através da investigação sobre o cancro.
Mas os problemas não se cingem a zonas de guerra. Em Cabo Verde também é preciso enfrentar vários desafios para que se consiga dar a melhor resposta aos doentes, como relatou Hirondina Borges, oncologista no Hospital Dr. Agostinho Neto. “Existem várias limitações como falta de recursos humanos especializados, equipamentos, terapêuticas inovadoras, Radioterapia, Medicina Nuclear e Oncologia Pediátrica.”
A médica alertou, ainda, para o facto de que os doentes são diagnosticados numa fase tardia, na maioria dos casos, por falta de literacia em saúde, mas também por não haver acesso a meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDT). “Nem sequer para rastreios ou estadiamento.” Esta situação contribui, nomeadamente, para que haja uma taxa elevada de mastectomias.
Apesar das dificuldades, que vão sendo colmatadas, nomeadamente, com o apoio de Portugal, Cabo Verde está a apostar nalgumas estratégias para que os doentes possam ter acesso a mais meios no próprio país. Exemplo disso, é a criação de um Plano Nacional de Doença Oncológica, protocolos, criação de um grupo multidisciplinar de decisão, administração da vacina contra HPV a raparigas e rapazes até aos 14 anos, formação, entre outras.
A sessão foi moderada pelos médicos Margarida Brito, do IPO Lisboa, e Nelson Olim, regional trauma advisor da OMS e docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
MJG
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