31 Mar, 2023

“Todo o médico trabalha no domínio da ciência e no que escapa ao exame objetivo”

Mia Couto estudou para ser médico, mas optou por ficar pelo mundo da escrita. Convidado de honra da APMGF, cabe-lhe o encerramento do 40.º ENMGF e falar sobre Medicina e afetos.

Para o escritor Mia Couto, “a sensibilidade é uma força” e “um hospital em que falta esse sentido de empatia e afeto não é uma casa de cura. É uma oficina”.

Mia Couto considera que “todo o médico trabalha no domínio da ciência e no que escapa ao exame objetivo”. “É fundamental que tome noção da pessoa que está à sua frente, que não pode ser reduzida a um paciente com uma ‘história clínica’.”

O escritor recorda as consultas do médico de família dos Caminhos de Ferro na cidade da Beira, onde ia durante a sua infância: “O homem nunca levantou a cabeça para me olhar a mim ou aos meus irmãos. Nunca nos olhou nos olhos e nunca nos concedeu mais tempo de escuta que aquele que lhe era estritamente necessário.”

Contudo, tal como conta, os outros médicos, que eram absolutamente o oposto, deixavam-no “quase curado”, apenas pelo facto de lhe “darem a atenção” e de o “escutarem durante a consulta”.

“Um médico renova sempre aquilo que se constituiu como uma presença primordial de uma mãe (ou de um pai) a que a criança recorre para ir mostrar um “dói-dói”. O conforto que essa voz e essa presença instauram é o primeiro passo para que essa dor deixe de existir”, conclui Mia Couto.

SO/APMGF

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