28 Jun, 2024

“Reter dermatologistas no SNS é um desafio complexo que envolve várias abordagens”

Paulo Filipe, presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV) e desta Reunião do Verão, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e diretor do Serviço de Dermatologia da ULS Santa Maria, aborda os desafios críticos que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) enfrenta para reter especialistas em Dermatologia. Ao fazer referência à Reunião do Verão, o dermatologista fala um pouco dos temas que serão abordados e agradece aos congressistas pela sua participação neste evento, que, tal como refere, “será uma oportunidade valiosa para se atualizarem sobre os últimos desenvolvimentos na Dermatologia e estabelecerem novas parcerias profissionais”.

Nos últimos tempos verificou-se um esvaziamento dos serviços públicos de Dermatologia, com a saída dos seus especialistas para o privado e uma maior procura de consultas de Dermatologia, o que tem dificultado a capacidade de resposta dos hospitais às necessidades da população. O novo Governo diz estar a trabalhar no sentido de melhorar a realidade do SNS, no que respeita à falta de recursos humanos, entre outros aspetos. Saiu agora o plano de emergência para a saúde e está-se a apostar no desenvolvimento das ULS. Considera que estas alterações (as que se conhecem) poderão ter impacto na atração e retenção de especialistas? Na sua opinião o que é que deveria realmente ser feito?
Reter dermatologistas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um desafio complexo que envolve várias abordagens. Algumas estratégias que podem ser eficazes são:

  1. Melhoria das condições de trabalho: no que respeita a infraestruturas e recursos, garantindo que os dermatologistas têm acesso a equipamentos modernos e a recursos adequados para exercerem a sua profissão de forma eficaz; assim como no que diz respeito à carga horária, que deve ser ajustada, tal como o número de doentes atendidos por dia para evitar o esgotamento profissional.
  2. Salários competitivos: é preciso fazer uma revisão salarial e oferecer salários competitivos em relação ao setor privado e a outros países, para tornar a permanência no SNS mais atrativa; criar incentivos financeiros, introduzindo prémios de desempenho, compensações por horas extras e benefícios adicionais, como subsídios para formação contínua.
  3. Formação e desenvolvimento profissional: proporcionar oportunidades de acesso a formações médicas contínuas, cursos de atualização e subespecializações; incentivar e apoiar projetos de investigação e publicações científicas, proporcionando tempo e recursos para estas atividades.
  4. Ambiente de trabalho positivo: desenvolver uma cultura organizacional, promover um ambiente de trabalho saudável e colaborativo, com foco no bem-estar dos profissionais; assim como o seu reconhecimento e valorização, através da implementação de programas de reconhecimento para destacar e valorizar o trabalho dos dermatologistas.
  5. Progressão na carreira: desenvolver propostas de carreira médica claras e transparentes, que permitam a progressão profissional dentro do SNS.
  6. Flexibilidade e concorrência: oferecer opções de horários flexíveis e oportunidades de trabalho a tempo parcial; telemedicina: incorporar práticas de telemedicina para melhorar a flexibilidade e a acessibilidade dos cuidados dermatológicos.
  7. Equilíbrio trabalho-vida pessoal: implementação de políticas de bem-estar, que promovam o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal, incluindo licenças remuneradas e programas de apoio psicológico.
  8. Participação em decisões: incluir os dermatologistas na tomada de decisões administrativas e na formulação de políticas que afetem diretamente a sua profissão.
  9. Estas estratégias, quando implementadas de forma integrada e com compromisso, podem contribuir significativamente para a retenção de dermatologistas no SNS, melhorando a qualidade dos cuidados prestados aos doentes e a satisfação dos profissionais.

 

Considera que as ULS poderão ser uma mais-valia para os profissionais, mas, sobretudo, para os utentes que precisem de assistência e acompanhamento em Dermatologia? Como avalia estes últimos meses de funcionamento em ULS?
Na verdade, este modelo de organização em ULS ainda não deu frutos por ter sido implementado há pouco tempo. Mas, penso que o modelo é útil para aproximar os cuidados de saúde primários e os centros hospitalares.

 

Como está a ser a experiência da organização desta Reunião do Verão?
A organização da Reunião do Verão tem sido uma experiência extremamente enriquecedora. A coordenação de diferentes elementos e a colaboração com diversos participantes têm sido desafiadoras, mas também gratificantes.
O apoio e o entusiasmo da comunidade dermatológica, onde se incluem os médicos, mas também os nossos parceiros da Indústria Farmacêutica, têm sido fundamentais para garantir o sucesso do evento.

 

Qual o critério para a escolha de temas do programa?
Os temas do programa foram escolhidos com base na sua relevância atual e impacto na prática dermatológica.

 

Quer destacar alguns? Tem-se verificado muitos avanços nesta área?
Considerámos os avanços mais recentes na área da inteligência artificial (IA). Refiro-me ao projeto-piloto surgido no âmbito do relatório da Direção Executiva do SNS (maio de 2014). Esse relatório tem como meta o recurso à IA em Dermatologia. Vamos discutir esta questão numa mesa-redonda.

Também procurámos equilibrar a cobertura de tópicos fundamentais como a inovação terapêutica nas doenças imunomediadas com expressão cutânea e as doenças emergentes em Venereologia, mais precisamente o vírus mpox. A Venereologia é uma vertente importante da nossa especialidade, pelo que procurámos dar-lhe o destaque que merece.

Aliámos à atualização em infeções sexualmente transmissíveis um simpósio que foca a história de outra doença venérea, a sífilis, que provocou grandes malefícios na saúde das pessoas que a contraíam. Durante muitos séculos, até à descoberta da penicilina, esta doença não tinha cura eficaz. É importante não esquecer que todo o progresso científico implica esforço e trabalho.

Conseguir a cura de doenças que hoje em dia nos parecem simples e banais foi resultado de um longo caminho. Uma saúde melhor é uma conquista da civilização e da ciência.

Destacamos também o simpósio intitulado “Mens sana in locus sano”, reconhecendo que um local saudável e bem projetado pode contribuir significativamente para uma mente saudável. Temos procurado abordar nas nossas reuniões esta interligação entre a Dermatologia, o ambiente e outras áreas do conhecimento. Para isso, temos convidado académicos externos à SPDV, ligados a universidades das cidades onde decorrem os eventos. Neste caso, convidámos uma arquiteta paisagista, professora da Universidade de Évora.

Realço também os numerosos casos clínicos e comunicações que recebemos por submissão livre e que representam o trabalho clínico dos nossos colegas que todos os dias dão o seu melhor em prol dos doentes.

 

Quais as suas expectativas para esta reunião?
As expectativas para esta reunião são altas. Esperamos promover discussões produtivas, fomentar a colaboração entre especialistas e proporcionar uma plataforma para a partilha de conhecimentos e experiências.
Acredito que este evento será uma oportunidade valiosa para todos os participantes se atualizarem sobre os últimos desenvolvimentos na Dermatologia e estabelecerem novas parcerias profissionais.

 

Quer deixar uma mensagem aos congressistas?
Gostaria de agradecer a todos os congressistas pela sua participação e entusiasmo. Este evento é uma oportunidade única para aprendermos uns com os outros e para impulsionarmos a Dermatologia para novos patamares. Espero que aproveitem ao máximo as sessões, criem novas pontes de contacto e voltem para as suas práticas mais motivados.

Juntos, podemos continuar a melhorar a qualidade do atendimento aos nossos doentes e avançar no campo da Dermatologia. Bem-vindos e aproveitem a reunião!

 

Sílvia Malheiro

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