2 Ago, 2024

“Portugal está na linha da frente do cultivo de canábis medicinal na Europa”

A evolução na área da canábis medicinal tem sido “notória”, na opinião de Catarina Paiva, farmacêutica especialista em Farmácia Comunitária. A também estudante do Doutoramento na Faculdade de Farmácia - Universidade de Coimbra e membro do Conselho Consultivo Científico do OPCM, tece algumas considerações sobre a evolução desta atividade, em Portugal.

Como vê a evolução da atividade da canábis medicinal em Portugal?

A evolução tem sido notória. O primeiro licenciamento para cultivo de canábis para fins medicinais foi atribuído, pelo INFARMED, em 2014, e o segundo em 2017. A aprovação da Lei da Canábis para Fins Medicinais, em 2018, assinalou um marco. A sua regulamentação definiu regras claras e, desde então, multiplicaram-se os investimentos de norte a sul do país. Em meados de julho de 2024, eram 50 as empresas com licenças relacionadas com a canábis para fins medicinais, destas 33 com licença para cultivo. São empresas com tecnologia de ponta e investimentos avultados. Portugal está na linha da frente do cultivo de canábis medicinal na Europa.

 

O que ainda é preciso melhorar e que medidas devem ser tomadas nesse sentido?

Esta atividade, à semelhança das outras, não tem sucesso garantido. Tem havido reestruturações de grandes empresas com repercussões em Portugal, com abandono das operações ou com o despedimento de funcionários. O governo e a entidade reguladora, fundamentais para o percurso que se tem desenhado, devem estar atentos para permitir a sustentabilidade do setor. Em relação aos doentes e à disponibilização da opção terapêutica, a aprovação de pedidos de ACM, em 2024, representa grandes avanços, aumentando o arsenal terapêutico. O custo ainda condiciona o acesso. A formação a profissionais de saúde, nomeadamente prescritores, baseada em casos clínicos, é primordial para esta que é considerada uma nova terapêutica e que, muitas vezes, não foi abordada na formação universitária ou pós-graduada. É fundamental investimento na ciência, sedimentando o conhecimento científico nesta área.

 

Quais as opções terapêuticas atuais e de que forma estão a mudar a abordagem às diferentes patologias que têm indicação para este tratamento?

Em julho de 2024 havia oito produtos à base da planta da canábis autorizados pelo INFARMED. Destes, quatro estão disponíveis nas farmácias sujeitos a receita médica especial. Um é sujeito a receita médica restrita, sendo dispensado a nível hospitalar, e os restantes três aguardam comercialização. Em Portugal, as opções disponíveis são sujeitas a receita médica e devem ser prescritas, de acordo com a lei, quando já não há alternativas no mercado ou quando as alternativas não funcionaram e para as indicações terapêuticas aprovadas pelo INFARMED. O que a lei permite, neste momento, é mais uma alternativa de tratamento ou na melhoria da qualidade de vida do doente, quando as outras opções terapêuticas falharam.

“A formação a profissionais de saúde, nomeadamente prescritores, baseada em casos clínicos, é primordial para esta que é considerada uma nova terapêutica e que, muitas vezes, não foi abordada na formação universitária ou pós-graduada”

Também estão a contribuir – ou irão ainda contribuir – para que haja menos receios para o uso da canábis medicinal?

Sim. O estigma do proibicionismo está enraizado e não desaparece repentinamente. A vaporização não é usual para administração de medicamentos. As soluções orais, agora disponíveis, permitem ultrapassar esse estigma, mais importante ainda quando a administração é efetuada em público. A facilidade de administração permite chegar a mais doentes. A disponibilidade de uma preparação com CBD proporciona, finalmente, aos doentes o acesso a um produto de qualidade farmacêutica, e portanto mais seguro, prescrito por médicos e com o desejável acompanhamento de profissionais de saúde.

 

O que se pode esperar do futuro?

As descobertas científicas do final do século passado permitiram abertura legislativa para a introdução da canábis medicinal em muitos países. É uma realidade crescente. Em Portugal, o cultivo e as exportações cresceram imenso. As exportações passaram de 204 kg, em 2017, para cerca de 12 toneladas, em 2023. Quanto ao acesso e à prescrição, o processo tem sido muitíssimo mais lento. Com as recentes autorizações, e com mais pedidos de ACM em avaliação, é expectável e desejável o acesso dos doentes, num futuro próximo, a medicamentos, preparações ou substâncias à base de canábis, sempre que o médico entenda que essa é a melhor opção terapêutica. O custo ainda dificulta o acesso. Com legislações mais permissivas na Europa, no que respeita à canábis para fins recreativos, um dos desafios será manter a distinção clara entre canábis para fins medicinais e outros, não “medicalizando” o uso para fins recreativos.

MJG

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