Quase 2,2 milhões de urgências nos hospitais públicos não eram urgentes
Por esse motivo, a OMS defende que o Centros de Saúde deviam dispor de um atendimento específico para estes doentes, onde pudessem ter também acesso a alguns exames complementares de diagnóstico e terapêutica.
O perito da Organização Mundial da Saúde (OMS), Nelson Olim, defende que Portugal devia ter serviços de urgência descentralizados e fora dos hospitais para os casos menos prioritários. Além disso, deveria criar centros de trauma em algumas regiões do país.
Em entrevista à agência Lusa, o cirurgião português considera que “o hospital é um recurso demasiado caro e especializado para ser quase desperdiçado em urgências ambulatórias”, com casos menos graves ou prioritários, que deviam estar mais próximos do cidadão.
“Os hospitais, quando fazem uma triagem na urgência, são obrigados a ver o doente independentemente do nível de prioridade. E o hospital tem de despender recursos para isso. Ainda ninguém quis de facto implementar uma urgência descentralizada, que permita ao cidadão que tenha um problema não emergente ou grave ter acesso a um médico sem ser no hospital”, afirma.
A sobrecarga nas urgências acontece, no entender do especialista em emergência médica, porque “não há um acesso fácil ao conselho médico”.
“Tem de haver uma reestruturação profunda das urgências para que apenas os doentes urgentes ou emergentes tenham acesso e sejam observados por profissionais que tenham uma capacidade especifica”, defende.
Essas “urgências ambulatórias”, para casos menos graves ou prioritários, poderiam estar ligadas aos centros de saúde, com acesso a alguns exames complementares de diagnóstico e terapêutica.
“O que não faz sentido no modelo português neste momento é manter a urgência ambulatória dentro do hospital. O hospital é um recurso demasiado caro e especializado. As urgências ambulatórias deviam estar mais próximas do cidadão, descentralizadas e de acesso fácil, provavelmente ligadas aos centros de saúde, com um horário de 24 horas em muitos dos casos. Porque é disto que o cidadão precisa”, advoga Nelson Olim.
“Se uma pessoa acorda às três da manhã a vomitar, até pode precisar de ser vista por um médico, mas não num hospital”, exemplifica.
Os dados oficiais mostram que cerca de 40% dos atendimentos em urgência nos hospitais públicos no ano passado foram considerados pouco ou nada urgentes, sendo quase 2,2 milhões de casos.
O perito nota que chega a ver nas farmácias em Portugal pessoas a pedir conselhos médicos, o que só acontece por não terem um acesso facilitado a um clínico.
Sugere, por isso, uma reestruturação da urgência, defendendo ainda a criação de centros de trauma, porque Portugal “continua a não ter hospitais verdadeiramente dedicados e com capacidade” para o trauma.
Estes centros teriam a cargo casos emergentes decorrentes de acidentes de viação, de grandes acidentes de trabalho ou de outro tipo de desastres.
“A grande diferença destes centros tem a ver com as competências técnicas de quem lá trabalha, além de um vasto leque de meios complementares de diagnóstico e terapêutica disponíveis 24 horas por dia, incluindo, por exemplo, radiologia de intervenção”, explica à Lusa.
Esta é a tendência “que se vai vendo pelo mundo”, com hospitais que têm dentro do seu serviço de urgência centros dedicados ao trauma.
“É o caminho da profissionalização. Não é só a especialidade de urgência e emergência que tem de avançar. Tem de avançar em paralelo uma reestruturação geral da urgência, tornar mais acessível ao cidadão e até mais barata para o Estado, tirando-a dos hospitais. E ao mesmo tempo, do ponto de vista do trauma, criar condições para ter quatro unidades – Porto, Coimbra, Lisboa e Faro – com competências mais dedicadas”, declara Nelson Olim.
Lusa / SO