Por que fecham camas na Rede Nacional de Cuidados Continuados?
Medicina Interna do Centro Hospitalar Universitário de Santo António

Por que fecham camas na Rede Nacional de Cuidados Continuados?

Envelhecidos como somos, sem renovação geracional de jeito, encontramo-nos com doenças múltiplas, de braço dado com a solidão. Estes, que são muitos nas grandes cidades, não podem voltar para casa, porque não está lá ninguém. Outros, porventura mais novos e menos doentes, não têm para onde ir, porque perderam o lugar no albergue que os acolhia. Todos ficam nos hospitais, à espera de uma vaga num lar ou numa Unidade da Rede Nacional de Cuidados Continuados (RNCC).

Há muita confusão sobre a missão das Unidades de Cuidados Continuados, que se dividem nas tipologias de média duração, longa duração e Cuidados Paliativos. Especialmente no caso das de longa duração, as pessoas julgam que são equivalentes aos lares de idosos, desconhecendo a existência de critérios muito rígidos para referenciação. A necessidade de cuidados diários de enfermagem e o potencial de recuperação, avalizados pelo Fisiatra ou outro médico, são condições essenciais para que a entidade regional aceite a proposta.

Infelizmente, quando a recuperação já não é possível, acabado o tempo previsto para a permanência na RNCC, muitas vezes o doente não tem casa nem família para onde ir. Dizem-me que cerca de 30% das camas da RNCC estão ocupadas por estes doentes, à espera dum Lar da Segurança Social. É comprometida a fluidez do sistema e é o SNS que paga estes internamentos prolongados, não dando resposta aos pedidos desesperados dos hospitais.

A situação atual da permanência de doentes internados nos hospitais com alta clínica, a aguardarem colocação na RNCC ou em Lar (agora chamado Equipamento Residencial Pessoa Idosa – ERPI), está pior do que nunca! Há cerca de 7 anos, com a monitorização proporcionada pelo “Barómetro dos Internamentos Sociais” (iniciativa da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares – APAH), sabemos que 25% das camas dos Serviços de Medicina Interna (MI) do País estão ocupadas por estes internamentos inapropriados.

Agora, rondarão os 35%. Havendo cerca de 6000 camas de MI no País, não estarei longe da verdade se disser que teremos mais de 2000 camas “bloqueadas” por este fenómeno, causado pela falta de vagas na RNCC e nas ERPI’s.

A denúncia que a associação Nacional de Cuidados Continuados fez a 9 de maio, de que nos últimos 2 anos já tinham sido encerradas 220 camas da RNCC, estando iminente o encerramento de 5 Unidades, com perda de mais 122 camas, deixou-me exasperado! Como é que podemos “dar-nos ao luxo” de encerrar camas nos Cuidados Continuados, com a situação calamitosa que vivemos? Por que será, que não há ninguém que chame à razão o Ministério do Trabalho e da Segurança Social, para que resolva o maior de todos os constrangimentos, que é o da falta de vagas nas ERPI’s?

Conseguir um lugar num Lar duma IPSS demora cerca de 12 meses no Porto e 24 meses na Região de Lisboa e Vale do Tejo. Embora com variações regionais, os Internistas espanhóis consideram haver um atraso inaceitável da resposta social quando um doente fica a aguardar no hospital mais de 3 semanas. Tenho vergonha de lhes contar estes números!

Diz-se que o PRR vai trazer 5500 camas de Cuidados Continuados até 2025 e que serão investidos cerca de 417 milhões na requalificação dos equipamentos sociais, incluindo ERPI’s. Acreditemos que isso venha a acontecer, mesmo que ainda esteja tudo no papel. Mas, faz algum sentido fechar hoje camas tão necessárias com o vislumbre desse futuro risonho?

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