3 Jan, 2025

Patient Blood Management. “Ainda não é uma prática tão difundida como seria desejável”

João Mairos, presidente do Anemia Working Portugal, alerta para a importância da implementação de programas de Patient Blood Management (PBM), face às mais-valias para doentes e sistema de saúde.

As reservas de sangue estão abaixo do desejável, sobretudo para “A positivo”, “A negativo”, “O positivo” e “O negativo”. As doações têm sido instáveis desde o início do ano e é no grupo dos dadores entre os 25 e os 44 anos que mais têm baixado, mas também nos mais novos. O alerta foi lançado no passado mês de outubro, daí que o Anemia Working Group Portugal (AWP) chame a atenção para a implementação, mais generalizada, do Patient Blood Management (PBM).

“O PBM consiste na aplicação de um conjunto de medidas apropriadas, no sentido de valorizar o sangue de cada doente, de forma individualizada às suas necessidades específicas, de forma que, tanto quanto possível, não venha a necessitar de uma transfusão sanguínea”, explica João Mairos, presidente do AWG.

Recorde-se que, em 2021, foi publicado em Portugal, em Diário da República, o Despacho nº. 1231/2021, que determinou a implementação do Programa de PBM nas instituições hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.

De acordo com estudos desenvolvidos em Portugal, existem benefícios clínicos, económicos e de segurança associados à implementação de programas nacionais de PBM. “O PBM permite prevenir 594 mortes prematuras por ano, assim como um ganho de 1.481 anos de vida e redução de 3.660 DALYs (anos de vida ajustados pela incapacidade).”

Outras vantagens são a redução do número de dias de internamento (-177.450 dias), uma redução de até 51,2% nas transfusões de concentrados eritrocitários e uma menor exposição a complicações associadas a transfusões.

As mais-valias também se fazem sentir a nível económico, ao permitir uma poupança  anual de 67,7 milhões de euros para o SNS, de acordo com um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública. Mais concretamente, está-se a falar de uma redução de 8,6% nos custos de internamento, numa diminuição de 37,2% nos custos associados a reinternamentos e numa redução de 55,1% nos custos com transfusões.

Apesar das vantagens, João Mairos, diz que o PBM “ainda não é uma prática tão difundida como seria desejável” em Portugal.  O responsável apela, desta forma, a que se lhe dê mais atenção, porque, “cumprir PBM, na verdade não é complexo”.

Mas, alerta, “exige que diferentes serviços e especialidades (nos cuidados primários e nos hospitalares) comuniquem e colaborem com um propósito comum e único: valorizar ao máximo o sangue de cada doente”.

Na sua opinião, os desafios para a sua implementação de forma mais extensiva a nível nacional são “conseguir que todos partilhem a mesma preocupação, a mesma cultura e definam indicadores que permitam comparar resultados entre diferentes unidades de saúde”. Além disso, “ter a atenção e o interesse da tutela para o PBM é determinante”.

As dificuldades de implementação de PBM no Brasil e em Espanha

O problema de não se apostar em PBM como seria desejável é comum a outros países, como Espanha e Brasil, segundo João Mairos. “Os espanhóis e os brasileiros partilham connosco as mesmas dificuldades, que são o facto de diferentes centros hospitalares e cuidados primários terem que partilhar a mesma cultura de PBM.”

Tal como em Portugal, Espanha e Brasil têm unidades hospitalares onde o PBM é uma realidade, sendo apoiados por plataformas informáticas que lhes permitem obter indicadores. Mas o nosso país tem uma outra vantagem, segundo o responsável.  “Temos um sistema de saúde mais coeso, por ser nacional, o que não sucede em Espanha, e por ser um país bem mais pequeno do que o Brasil e com menos assimetrias”.

De acordo com o médico brasileiro, Guilherme Rabello, “o grande diferencial do PBM é que ele coloca o paciente no centro das decisões, considerando suas condições de saúde específicas e personalizando o tratamento”.

Continuando: “Isso significa que, em vez de depender automaticamente de transfusões, a equipa médica avalia e implementa medidas alternativas para garantir a melhor assistência possível. É um avanço significativo na forma como o sangue é gerido nos cuidados médicos, com foco na segurança, na recuperação mais rápida e em melhores desfechos clínicos.”

O PBM já é uma realidade no Brasil, especialmente em hospitais de elevada complexidade e em instituições onde se realizam cirurgias de grande porte, como cardíacas e ortopédicas. No entanto, “a prática ainda não está amplamente disseminada, sendo mais comum em hospitais que possuem recursos para investir na implementação dessa abordagem”.

Entre os desafios estão a falta de conhecimento e de treino especializado, assim como a “resistência cultural em mudar práticas antigas, como a transfusão de sangue rotineira”. Além disso, acrescenta, “implementar o PBM exige mudanças estruturais nos protocolos hospitalares, o que exige tempo, recursos e compromisso da equipa”. Há ainda a questão da monitorização de resultados, que exige investimentos em tecnologia e sistemas de gestão. Apesar disso, Guilherme Rabello, diz que o Brasil tem avançado significativamente.

Mais perto de Portugal, em Espanha, Manuel Quintana, realça os três pilares fundamentais do PBM: a prevenção da anemia, o diagnóstico e tratamento adequado às condições sanguíneas e a utilização de técnicas cirúrgicas e anestésicas que minimizem a perda sanguínea no processo perioperatório. “Contrariamente às práticas convencionais, o PBM promove um tratamento proativo e individualizado, priorizando a prevenção e correção da anemia, minimizando a perda sanguínea e otimizando a tolerância do paciente a baixos volumes sanguíneos.”

Continuando: “Seus benefícios não incluem apenas uma diminuição nas transfusões desnecessárias, mas também uma melhoria geral na segurança do paciente e nos resultados clínicos.”

Em Espanha é uma prática que está a aumentar nos últimos anos, estando a passar-se de uma prática voluntária e local para o reconhecimento institucional. Mas a realidade não é igual em todas as regiões  por causa do “complexo sistema de saúde espanhol”. “A unificação destes programas é o desafio que enfrentamos, atualmente. Embora os desafios técnicos sejam claros e comecem a ser assumidos pelos profissionais, há muito trabalho a fazer para que estes programas sejam conhecidos e reconhecidos pelos próprios pacientes e assumidos como essenciais pelas autoridades de saúde”, conclui.

Para João Mairos, estes desafios dentro e fora de fronteiras, exigem mais formação e sensibilização, porque os benefícios “são evidentes”, quer para os utentes quer para os sistemas de saúde.

Maria João Garcia

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