Paramiloidose. Tratamentos em hospitais de periferia minimizam impacto das viagens na saúde dos doentes
O SaúdeOnline foi conhecer a história de José Carreira, que foi diagnosticado com paramiloidose há 14 anos, e que, no último ano, tem a possibilidade de fazer o tratamento endovenoso mais perto de casa.

José Carreira tem 42 anos e desde os 18 anos que sabe que é portador da mutação da paramiloidose, uma doença rara e complexa, que também é conhecida por polineuropatia amiloidose familiar (PAF) ou como ‘doença dos pezinhos’. Sendo hereditária, José sabia que havia probabilidades de vir a ter a mesma patologia da mãe e, por essa razão, optou por fazer o teste genético. “O resultado foi positivo, mas os primeiros sintomas apenas surgiram aos 28 anos”, conta.
Eletricista industrial, a trabalhar numa fábrica, acabou que desistir da sua profissão, porque a marcha sofreu alterações e o tremor das mãos colocava-o em risco, já que trabalhava com eletricidade. Acabou por optar por outra formação: Sistemas Informáticos. Pai de duas meninas, decidiu ter filhos, mas fez questão de optar pelo diagnóstico pré-natal para ter a certeza que não tinham herdado a doença. “Felizmente, não têm a mutação.”
Sabendo que nem todos fazem o teste genético, José Carreira diz que essa deveria ser sempre a opção. E explica porquê: “Não pode ser um tema tabu. Se se souber que temos a mutação, aos primeiros sintomas vamos procurar ajuda e iniciar tratamento.”
Atualmente, os problemas que mais o afetam é ao nível cardíaco e gastrintestinal, obrigando-o a fazer tratamento endovenoso de três em três semanas, no Hospital de Barcelos, perto de casa. Anteriormente, era obrigado a ir ao Porto, mas, desde o ano passado, com a descentralização dos tratamentos e transferência de utentes para hospitais periféricos, já não tem de fazer tantos quilómetros. “É ótimo, porque o tratamento deixa-me muito cansado.”
Centros de referência não impedem tratamento na proximidade
Esta é a realidade de mais doentes com PAF, que deixaram de ter de ir aos centros urbanos para fazer o tratamento endovenoso. Os Hospitais de referência, a nível nacional, são ULS de Santo António, no Porto, e a ULS de Santa Maria, em Lisboa. É nestes que se faz o diagnóstico e que se inicia a terapêutica mais adequada, consoante os sintomas e o estádio da patologia. Mas o tratamento está, desde 2023, a ser realizado com o reforço de articulação dos centros de referência com hospitais locais. O objetivo é permitir o tratamento na proximidade.
E há outra vantagem, segundo Teresa Coelho, neurologista e responsável pela Unidade Corino de Andrade da ULS de Santo António. “É um trabalho em rede, que tem corrido bastante bem, num grande espírito de interajuda, e que, além de facilitar a vida ao doente, permite abrir mais vagas no nosso Hospital.”
Como acrescenta: “Algumas regiões do Norte são consideradas endémicas – Póvoa do Varzim, Vila do Conde e Barcelos -, e temos muitas pessoas que são seguidas na Unidade. Esta alternativa permite dar acesso a mais doentes no Hospital de Dia.” De qualquer forma, garante, não está em causa a existência dos centros de referência. “São essenciais, porque têm uma equipa diferenciada, com experiência no diagnóstico e no tratamento.”
Atualmente, há cinco hospitais de periferia a acompanhar os portadores de PAF: o Hospital da Figueira da Foz acompanha 15 doentes, o Hospital de Barcelos tem 9 doentes, no Hospital da Covilhã são 5 doentes, o Hospital da Seia acompanha 7 doentes e no Hospital de Braga são 12 doentes. O Hospital de Faro também irá, brevemente, receber doentes com esta patologia.
Paramiloidose. Uma patologia sistémica e complexa
Esta proximidade também faz todo o sentido para Carlos Oliveira, Diretor do Serviço de Medicina interna do Hospital Santa Maria Maior (Barcelos). “Os doentes têm outro conforto e bem-estar. A PAF é uma patologia muito impactante.” O contacto permanente com os centros de referência contribui para o sucesso desta iniciativa, que visa transferir os doentes para hospitais mais próximos de casa e dos seus empregos. “Este trabalho em rede tem corrido muito bem.”
Relativamente à patologia, o internista diz que, apesar de se considerar que está circunscrita a algumas localidades do Norte, a realidade é outra: “Há casos noutras regiões do país desta doença, que é causada pela alteração da estrutura de uma proteína produzida essencialmente pelo fígado, a transtirretina (TTR), que é depositada no sistema nervoso periférico, dando origem a uma polineuropatia sensitivo-motora progressiva.”
Numa primeira fase, são afetados os membros inferiores, seguindo-se outra sintomatologia: perda de sensibilidade a estímulos térmicos, formigueiro e dormência, dor intensa, perda de peso, diarreia ou obstipação, náuseas e vómitos, diminuição da força, palpitações, entre outras.
À medida que a patologia vai evoluindo, os depósitos de amiloide no músculo cardíaco podem provocar insuficiência cardíaca, além de poder ficar afetada a função renal. “É uma patologia complexa e sistémica, que necessita de vigilância ao longo de toda a vida”, afirma Carlos Oliveira.
Relativamente ao diagnóstico, é mais fácil quando existe história familiar, já que os sintomas iniciais podem confundir-se facilmente com outras patologias. Atualmente, os tratamentos com maior eficácia exigem ida ao hospital, daí esta aposta na articulação entre centros de referência e hospitais periféricos. Também existe a possibilidade de se fazer um transplante hepático, a única resposta até há uns anos, mas, face aos riscos associados, nem sempre se opta por essa via.
Como é uma “doença para a vida”, como diz José Carreira, o melhor é apostar-se na proximidade, sem, obviamente, pôr em causa, a qualidade do tratamento.
MJG
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