O desafio clínico da cefaleia em salvas: do diagnóstico à abordagem terapêutica
Neurologista e Coordenadora da Unidade de Enxaqueca e outras Cefaleias do Hospital CUF Porto

O desafio clínico da cefaleia em salvas: do diagnóstico à abordagem terapêutica

A Classificação Internacional de Cefaleias define a cefaleia em salvas como uma cefaleia muito debilitante, caracterizada por episódios agudos de dor unilateral intensa na região ocular. Embora seja relativamente incomum, cerca de 1 em cada 1.000 pessoas, é mais prevalente nos homens (numa proporção de 3 para 1), manifestando-se habitualmente entre os 20 e 40 anos.

A apresentação clínica típica da cefaleia em salvas inclui dor muito intensa, por vezes descrita como excruciante, nas áreas orbitária, supraorbitária ou temporal, estritamente unilateral. Os doentes apresentam simultaneamente lacrimejo, rinorreia, queda da pálpebra, congestão conjuntival unilaterais e tendem a ficar inquietos e agitados durante os episódios. Estes episódios seguem frequentemente um padrão circadiano, ocorrendo sobretudo à noite, com duração de 15 a 180 minutos se não forem adequadamente tratados. A frequência dos episódios pode variar de um a cada dois dias até oito vezes por dia. Os surtos de episódios geralmente ocorrem em salvas, que podem durar cerca de 2 a 3 meses, mais comummente na primavera e no outono; são separados por períodos de remissão que podem durar meses a anos. É importante notar que até 25% dos doentes experimentarão apenas uma salva ao longo das suas vidas, enquanto 10-15% desenvolverão cefaleia em salvas crónica.

O diagnóstico da cefaleia em salvas é essencialmente clínico, baseando-se na caraterização detalhada dos episódios na história clínica, incluindo a documentação da sua periodicidade e ritmicidade característica. Exames laboratoriais e eletroencefalografia não revelam alterações distintivas, não estando recomendados. Os estudos de imagem podem ser úteis para excluir outras possíveis causas de cefaleia, especialmente em doentes com apresentações atípicas.

No que diz respeito ao tratamento, as recomendações europeias atualizadas em 2023 destacam várias abordagens. Para alívio agudo da dor, é recomendado o uso de oxigénio por máscara facial, bem como de triptanos (formulações orais, nasais ou subcutâneas). Para prevenção dos episódios, isto é para reduzir o número de episódios e a duração da salva, o verapamilo (medicamento da classe dos antiarrítmicos) é a primeira escolha, embora outros medicamentos, como o topiramato (anti-epilético) e o lítio, possam ser considerados. O anticorpo monoclonal galcanezumab é outra opção de segunda linha aparentemente eficaz e segura. Além disso, o tratamento-ponte (nos primeiros tempos da salva) com corticoterapia (prednisolona) e/ou bloqueios anestésicos do nervo occipital deve ser considerado. Em casos refratários, existem outras opções, incluindo cirúrgicas, que devem ser avaliadas individualmente.

A deteção precoce e a orientação adequada são fundamentais, dado que a cefaleia em salvas pode ter um impacto devastador na qualidade de vida dos doentes, levando à incapacidade funcional durante os surtos. Identificar rapidamente a patologia e iniciar o tratamento adequado são essenciais para reduzir o sofrimento e a duração dos episódios.

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