14 Set, 2022

“Na infância, a dermatite atópica tem um impacto maior que a diabetes, a doença renal crónica ou a fibrose quística”

Ana Brasileiro, dermatologista do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC), alerta para a necessidade de se procurar ajuda médica para a dermatite atópica. Em entrevista, a propósito do Dia Mundial da Dermatite Atópica, que se assinala hoje, realça que até para os casos mais graves existe resposta.  

Como se caracteriza a dermatite atópica (DA)?

É uma doença inflamatória crónica da pele, com início mais habitual na primeira infância. A palavra dermatite, que é sinónimo de eczema, significa pele inflamada. Portanto, aquilo que se observa na dermatite atópica são placas de eczema, que podem ter pápulas ou vesículas superimpostas, com exsudação e formação de crosta, que evoluem, na fase crónica, para lesões mais espessas, descamativas e liquenificadas.

A localização das lesões depende da faixa etária: classicamente, no lactente (até 2 anos de idade) atinge a face, tronco e superfície extensora dos membros; já na segunda infância acomete a superfície flexora dos membros, região cervical e pálpebras. Na adolescência e idade adulta, para além das localizações supra referidas, podem também surgir lesões nas mãos e pés.

A DA tem assim um impacto muito significativo na vida dos doentes…

Enorme! Quer para os doentes como para os familiares, sobretudo quando afeta crianças. O sintoma cardinal é o prurido – aliás se não há prurido não deve ser DA -, o que provoca desconforto e dificuldades em dormir. Além disso, como é uma doença inflamatória da pele, que é visível, impede por vezes a socialização, já que ainda existe um grande estigma.

 

“Os doentes contam-nos que nalguns locais comuns, por exemplo, nos transportes públicos, há pessoas que se afastam.”

 

Os outros pensam que se trata de uma doença contagiosa…

Exato! Os doentes contam-nos que nalguns locais comuns, por exemplo, nos transportes públicos, há pessoas que se afastam. Os próprios doentes acabam por optar por usar roupas que cubram as lesões, para tentar diminuir esse impacto social. A esfera íntima também pode estar afetada, porque existe receio e vergonha de mostrar a pele, particularmente quando há atingimento de áreas mais sensíveis. Existem estudos que indicam que a DA, na infância, tem um impacto maior do que a diabetes tipo 1, doença renal crónica ou fibrose quística.

Qual é a incidência?

Estima-se que afete entre 10% e 20% da população pediátrica, sendo mais frequente em áreas urbanas. De um modo geral, a DA atinge com maior probabilidade pessoas com história pessoal ou familiar desta doença e/ou de asma e rinite alérgica, embora existam alguns casos em que esta associação não se verifica. No entanto, existem boas notícias: na maioria dos casos, principalmente nas crianças com atingimento ligeiro, a doença entra em remissão durante a infância ou na adolescência.

 

“Nos últimos anos,  foram aprovadas várias terapêuticas sistémicas que vieram revolucionar o tratamento da DA.”

 

Que cuidados se deve ter quando se tem esta doença?

Como a pele atópica é uma pele mais sensível, existem um conjunto de cuidados que os doentes devem ter. De um modo geral, devem ser evitados estímulos que possam ser irritativos para a pele. Começando pela higiene, deve ser feita com água morna, com produtos adequados a este tipo de pele, após o que se deve aplicar creme emoliente, também ele com formulação adequada. A escolha do vestuário é também muito importante, devendo a roupa em contacto direto com a pele ser de algodão ou outra fibra natural. A fricção da pele pelas fibras sintéticas pode ser um estímulo irritativo, podendo desencadear uma agudização, com aparecimento de lesões pruriginosas. Estas são algumas das medidas gerais recomendadas, depois existem outras que se devem adequar caso a caso, consoante as atividades e desencadeantes da doença individuais.

Como se trata a DA?

Para além das medidas suprarreferidas, em que nunca é de mais reforçar a importância da aplicação diária de emoliente (creme hidratante), e que são a base do tratamento em todos os doentes, pode ser necessário adicionar tratamentos farmacológicos, em primeira linha com medicamentos tópicos, e com medicamentos sistémicos, nos casos refratários.

Desta forma, nos casos mais ligeiros, a utilização de terapêutica tópica anti-inflamatória é suficiente para controlar a maioria das agudizações, podendo também ser usado de forma proactiva, isto é, para prevenir agravamento nas áreas habitualmente acometidas.

O mesmo não acontece com os casos mais graves e no passado tivemos bastante dificuldade em tratar estes doentes de forma satisfatória, porque não havia opções farmacológicas eficazes. Contudo, nos últimos anos,  foram aprovadas várias terapêuticas sistémicas que vieram revolucionar o tratamento da DA, quer orais, quer injetáveis. É o caso do dupilumab, tralocinumab, barictinib, upadacitinib e abrocitinib, que já estão disponíveis em Portugal.

Os doentes podem ter esperança…

Sim! É muito importante transmitir a mensagem de que se deve procurar ajuda, não há motivo para que os doentes se resignem a viver com doença ativa ou a desistir do tratamento. Hoje em dia temos um conjunto de terapêuticas que nos permite devolver a qualidade de vida (e de sono) aos doentes com dermatite atópica.

SO

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