Insuficiência Cardíaca. “Um fluxo mais harmonioso e dinâmico entre hospital e MGF faria a diferença no tratamento”
Entre 26 e 28 de janeiro, decorre a reunião Heart Team 2023, no Porto, organizada pelo Grupo de Estudos de Insuficiência Cardíaca (GEIC) da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. O coordenador do GEIC, José Silva Cardoso, deixa algumas ideias do que irá estar em debate, como a organização de cuidados.
O que podemos esperar este ano do Heart Team?
Vamos ter um evento que conta com a participação de quase 90 docentes, de todas as zonas do país e de diferentes especialidades, nomeadamente da Cardiologia, da Medicina Interna, da Medicina Geral e Familiar, e também da Enfermagem e da Psicologia. Contaremos também com a presença da Associação de Apoio a Doentes com Insuficiência Cardíaca (AADIC). Estão inscritos cerca de 400 participantes
Porquê a participação da AADIC nesta iniciativa científica, focada nos profissionais de saúde?
Porque faz cada vez mais sentido envolver os doentes nas ações, visando a melhoria da assistência médica da insuficiência cardíaca (IC), pois são eles que convivem todos os dias com a sua patologia. Se não os incluirmos, se não ouvirmos as suas necessidades e prioridades, algo fica a faltar. É preciso ouvi-los sobre várias temáticas, tais como a organização de cuidados médicos e o acesso equitativo às terapêuticas desta síndrome. Os doentes têm um papel muitíssimo importante dado que podem influir no desenho de políticas de saúde mais justas e equitativas. Isso já é visível noutras áreas da saúde. Um exemplo é a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal que tem conseguido melhorar o acesso a medicamentos, entre outras medidas. A AADIC é um parceiro fundamental na luta contra a IC em Portugal.
“O prognóstico da IC é pior do que o de muitos dos cancros mais comuns, contudo a população desconhece esta ameaça”
A presença desta associação também poderá ser uma mais-valia na prevenção da IC?
Sem dúvida. Infelizmente, a maioria da população desconhece o que é a IC, quais os seus sintomas e o seu tratamento. É essencial informar e sensibilizar as pessoas para esta síndrome e também educar com vista à promoção da saúde e de um estilo de vida mais saudável. O prognóstico da IC é pior do que o de muitos dos cancros mais comuns, contudo a população desconhece esta ameaça. Apostar na literacia é crucial quer para prevenir como para que se diagnosticar mais atempadamente.
“Tendo em conta que os internamentos representam 50 a 75% dos custos associados à IC, seria muito menos oneroso apostar numa maior comparticipação de medicamentos que reduzem os internamentos”
E a Tutela, tem noção do impacto desta doença?
Infelizmente, há ainda muito a fazer pela melhoria assistencial na área da IC e a ação da Tutela é central nesse esforço. Tendo em conta a magnitude epidemiológica e a gravidade prognóstica da IC, é urgente agilizar mais equipas multidisciplinares e um maior investimento no acesso facilitado dos doentes aos fármacos modificadores de prognóstico. Cerca de 30% dos doentes não têm acesso à medicação modificadora de prognóstico, em consequência de carências económicas… Isso aumenta obviamente o risco de agudizações clínicas, de recurso às urgências e de internamentos, influenciando negativamente o prognóstico. Tendo em conta que os internamentos representam 50 a 75% dos custos associados à IC, seria muito menos oneroso apostar numa maior comparticipação de medicamentos que reduzem os internamentos.
No evento, uma das temáticas diz respeito ao “Serviço Nacional de Saúde e a IC”. O que falta fazer no SNS?
Além do investimento financeiro, é necessário melhorar a organização dos cuidados através de equipas multidisciplinares. Infelizmente, em Portugal nem sempre existe o hábito de se trabalhar dessa forma. É muito importante que os médicos de família se articulem com os especialistas hospitalares para que os doentes possam ter um acesso rápido ao hospital sempre que é preciso um diagnóstico diferenciado, um internamento para compensação hemodinâmica, ou recurso a terapêuticas avançadas, nomeadamente de natureza invasiva ou cirúrgica. Adicionalmente, após estabilização hemodinâmica efetuada em ambiente hospitalar, é necessário que existam vias ágeis de referenciação retrógrada, para retorno do doente aos cuidados de saúde primários, ao especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF).
“Idealmente, deveriam ser criadas equipas regionais, com centros de saúde agregados ao hospital, de modo a partilharem o mesmo processo eletrónico em tempo real”
Mas como se pode facilitar essa articulação?
Idealmente, deveriam ser criadas equipas regionais, com centros de saúde agregados ao hospital, de modo a partilharem o mesmo processo eletrónico em tempo real. Um fluxo mais harmonioso e dinâmico entre hospital e MGF, moderado pela Enfermagem, faria a diferença na IC. Na IC existem quatro grupos de profissionais de saúde que são fundamentais: cardiologistas e internistas (Hospital), MGF (Ambulatório), Enfermagem (Hospital e CSP) e também outros, como fisioterapeutas, psicólogos, etc.
Além disso, a corresponsabilização do doente também faz toda a diferença. Neste âmbito, qual a relevância dos patient reported outcomes (PRO)?
Os PRO refletem a experiência vivencial do doente com IC de limitação funcional, do impacto psicológico e social. Atualmente, fala-se cada vez mais da sua importância e tem sido feita alguma investigação. Os estudos internacionais mais recentes na área da terapêutica da IC já incluem PRO. Os PRO são extremamente importantes, porque são a visão do doente. Se a pessoa perceber que existe um determinado fármaco que melhora a sua qualidade de vida, vai aderir mais facilmente à terapêutica.
É essencial ter fármacos que reduzam a mortalidade e os internamentos, mas que, por outro lado possam melhorar a capacidade funcional e a qualidade de vida. Outro tanto se pode dizer no concernente a medidas não farmacológicas, como por exemplo a reabilitação cardíaca. É por isso fundamental conhecer a perspetiva da pessoa que vive com IC. Os PRO são muito relevantes na avaliação do tratamento dos doentes com IC.
“A RC é importante porque é uma terapêutica não farmacológica com impacto na melhoria da qualidade de vida, da capacidade funcional, e até, na diminuição dos reinternamentos”
Também se vai falar sobre Reabilitação Cardíaca (RC). Nesta área continuamos muito aquém do que é desejável?
A RC é importante porque é uma terapêutica não farmacológica com impacto na melhoria da qualidade de vida, da capacidade funcional, e até, na diminuição dos reinternamentos. Tem uma indicação de Classe I nas recomendações das Sociedades Cardiológicas Europeia e Americana, isto é, uma indicação mandatória. Contudo, não existe, a nível nacional, capacidade logística para a disponibilizar a todos os pacientes. Nesse sentido, existem investigações – nomeadamente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – para se criarem modelos híbridos de reabilitação. Por outras palavras, pretende-se que se inicie um trabalho reabilitativo no hospital ou centro e que o mesmo se mantenha no domicílio, com ou sem telemonitorização.
Espera-se assim uma reunião inter e multidisciplinar…
Espero que esta reunião de trabalho, envolvendo especialistas de todo o país e cerca de 400 inscritos, possa constituir uma reflexão colegial que contribua para o desenvolvimento de medidas tendentes a melhorar a organização de cuidados aos doentes com IC em Portugal .
SO
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