3 Abr, 2023

“Esperamos a cobertura nacional do modelo UCC, algo que ainda não conseguimos, embora nos falte muito pouco”

Entre 30 e 31 de março decorreu o V Congresso Nacional da Associação de Unidades de Cuidados na Comunidade (AUCC). José Lima, presidente da AUCC, falou ao SaúdeOnline sobre a necessidade de se expandir o modelo unidade de cuidados na comunidade e sobre a crise do SNS.

Fala-se muito da crise no Serviço Nacional de Saúde. Qual é a situação das UCC?

Penso que se fala em crise no SNS, porque este está na ordem do dia e porque a saúde, como direito inalienável proposto na constituição, é algo muito importante para as pessoas. Prefiro não falar em crise, mas em mudança ou transformação. O SNS tem que ser um serviço adaptado às necessidades da população e, para tal, temos que ter foco na promoção da saúde e na prevenção da doença, mas também na gestão e controlo da mesma, e também, cada vez mais, do sofrimento que esta pode acarretar. Isto obriga a uma maior articulação entre as pessoas e as unidades e a procurar uma verdadeira articulação de cuidados para que as pessoas em particular, e a sociedade em geral, possam ter acesso atempado aos melhores cuidados de saúde possíveis. É por esta razão que há que apostar numa visão moderna de integração de cuidados, que valorize o percurso clínico dos utentes e a sua necessária interligação com os serviços de saúde e também com as entidades comunitárias.

É neste âmbito que as UCC, enquanto equipas multidisciplinares totalmente implementadas na comunidade que servem, são fundamentais na prestação de cuidados de saúde e apoio psicológico e social, de âmbito domiciliário e comunitário, especialmente às pessoas, famílias e grupos mais vulneráveis, em situação de maior risco ou dependência física e funcional ou doença que requeira acompanhamento em proximidade. A reconfiguração dos CSP foi considerada a grande reforma em Portugal, sendo reconhecida internacionalmente. O serviço público é muito importante e os profissionais de saúde têm-no feito e merecem reconhecimento. Necessitamos de acreditar que vale a pena trabalhar no SNS. Precisamos de melhorar a articulação e combater os problemas de saúde das comunidades, com medidas que permitam colmatar desigualdades quer sociais, quer económicas e geográficas.

“A referenciação interna através do SClinico foi um grande passo na desburocratização da referenciação entre unidades funcionais. Embora mantenha algumas limitações, fruto das múltiplas bases de dados, permite diminuir a carga de trabalho ao referenciador”

Como avalia a articulação entre as UCC e as restantes unidades funcionais dos ACeS (USF, UCSP, USP, etc.)?

Esta articulação é muito fácil de entender, mas difícil de colocar em prática! Diria que a articulação existe, mas que pode ser ainda mais potenciada e melhorada. A AUCC está ativamente a trabalhar na construção de uma proposta base para um manual de articulação entre as diversas Unidades Funcionais do ACeS, que possa permitir às UCC adaptá-lo localmente, em discussão e construção com as unidades funcionais parceiras e os ACES. A referenciação interna através do SClinico foi um grande passo na desburocratização da referenciação entre unidades funcionais. Embora mantenha algumas limitações, fruto das múltiplas bases de dados, permite diminuir a carga de trabalho ao referenciador e permite-nos chegar mais depressa a quem de nós necessita. A referenciação para a ECCI através do GestCare mantém-se ainda algo burocrática, mas tem-se mantido estável na maioria dos locais. As Unidades Locais de Saúde podem ser um modelo organizativo importante para afirmar a colocação do utente no centro do sistema e facilitar esta articulação e o modelo de integração de cuidados, neste caso não só com as unidades funcionais do ACeS, mas também com a área hospitalar, com a RNCCI e a RNCP.

 

O que pensa da descentralização de competências na área da saúde para os municípios? Nem todos estão a aceitar…

A descentralização permitiu municipalizar alguns recursos associados a processos de suporte. Penso que, mais uma vez, a articulação entre as partes será fundamental para que o processo funcione. Sabemos também que estamos na fase inicial de um processo e isso traz sempre diferentes experiências: nuns casos corre melhor, noutros pior. Devemos olhar para o processo com serenidade, ir monitorizando e usando as melhores experiências, como benchmarking para outros. Temos também o exemplo do que foi feito na área da educação e creio que, provavelmente, já retiramos algumas ideias e lições com esse processo. Relativamente às UCC, temos legislada a possibilidade das autarquias proporem novas UCC, onde elas não existem, mas esta proposta é sempre articulada com a área da saúde e nunca poderá ser algo desgarrado ou desligado do ACeS. Como referi anteriormente, estamos em fase de alguma mudança e teremos que nos manter unidos e disponíveis para que juntos possamos evoluir.

“….pretendemos consolidar a nossa carteira de serviços centrada no cidadão, apresentando cuidados de saúde multidisciplinares com cada vez mais qualidade”

O que podemos esperar do futuro das UCC?

Esperamos a generalização do modelo UCC e uma cobertura total a nível nacional, algo que ainda não conseguimos, embora nos falte muito pouco. Depois, pretendemos consolidar a nossa carteira de serviços centrada no cidadão, apresentando cuidados de saúde multidisciplinares com cada vez mais qualidade. Assim, diria que o rumo é: um futuro da governação em saúde centrada nas necessidades dos cidadãos e dos seus percussores de saúde, onde a integração, proximidade, continuidade e multidisciplinaridade da prestação de cuidados constituem determinantes fundamentais para a efetividade, eficiência e equidade em saúde e sustentabilidade do SNS.

Agora com o PRR “Em Movimento” e com 1,3 mil milhões euros, nunca visto no SNS, que contempla investimento nas UCC/ECCI, acompanhamos o que está planeado fazer nas UCC e nos CSP. Em reunião com a DE-SNS foram partilhados e alinhados três aspetos prioritários, concretamente: a revisão do Despacho 10143/2009 e transição para Decreto-Lei, para consolidar o modelo organizativo e substantivo legal das UCC; esta semana já enviamos uma proposta de Decreto-Lei para as UCC; a revisão da Portaria 212/2017, que consagra a atual atribuição de incentivos institucionais apenas para USF e UCSP; construção de um modelo remuneratório transversal a todas as unidades funcionais, alavancado numa perspetiva de contratualização moderna, baseada no percurso clínico do utente e na obtenção de ganhos em saúde; na proposta do DL também apresentamos uma sugestão para um sistema remuneratório ligado ao desempenho para todos os CSP. A AUCC congrega com a DE-SNS a visão interdisciplinar e integrada dos CSP e irá desenvolver todos os esforços para consolidar o modelo organizativo e multidisciplinar das UCC para a concretizar.

 

Como decorreu o IV congresso da AUCC?

Muito bem! Estiveram presentes presencialmente 260 profissionais de saúde e 398 on-line. A direção Executiva do SNS esteve presente e confirmou que recebeu da AUCC uma proposta de Decreto-Lei para as UCC. Para estas unidades é estruturante passar de um despacho, que faz 14 anos este mês, para um dispositivo legal mais robusto. Foi comunicado um estudo nacional realizado aos coordenadores das UCC e notou-se uma melhoria muito importante em relação aos anos anteriores. Brevemente iremos publicar este estudo na íntegra. A Figueira da Foz é uma cidade promotora da saúde e recebe bem os profissionais de saúde. Num auditório excelente foram partilhados vários assuntos da carteira de serviços da UCC e perspetivou-se também o futuro promissor destas unidades. Este é o momento da afirmação destas equipas.

SO

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