24 Abr, 2024

Especialistas debatem impacto da disbiose associada a antibióticos

Um grupo de peritos de diversas áreas da saúde defende maior acesso ao conhecimento e evidência científica sobre o efeito dos antibióticos na microbiota (flora) intestinal. Reconhecem que existem falhas na sensibilização dos médicos sobre as consequências da disbiose da microbiota do intestino, não só em relação à toma deste tipo de medicamentos, mas na saúde em geral.

Como é que cada uma das especialidades médicas encara a disbiose (desequilíbrio) da microbiota intestinal associada à toma de antibióticos e que conselhos deixam aos seus pares para atenuar o impacto dos antibióticos na flora do intestino e ajudar na recuperação dos danos provocados após exposição a este tipo de medicamento? 

Segundo Conceição Calhau, professora catedrática da NOVA Medical School e investigadora do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, existe atualmente evidência robusta de que os antibióticos interferem negativamente na microbiota intestinal e na saúde em geral. Estudos recentes demonstram, cada vez mais, que a microbiota se apresenta alterada em pessoas com doenças cardiovasculares e respiratórias, diabetes tipo 2, síndrome metabólica, entre outras.

Em modelos animais, o transplante de microbiota alterada para animais saudáveis resulta em doença, o que levanta a hipótese de algumas doenças muito prevalentes na atualidade possam ter uma componente microbiana e, consequentemente, ser transmissíveis através da microbiota.

“Há muitas variáveis a ter em conta, desde o maior ou menor espetro de ação do antibiótico, passando pelo padrão alimentar, pela resposta imunitária e, principalmente, pelo nascimento e pelos primeiros 1000 dias de vida, um período de programação essencial para a formação deste órgão (microbiota), do sistema imunitário e cognitivo”, realça Conceição Calhau, acrescentando que “é necessária uma reflexão sobre como minimizar os danos na microbiota – associados à exposição a antibiótico – e como ajudar na recuperação deste órgão após exposição ao antibiótico”.

Diversos estudos comprovam que a exposição a antibiótico tem efeitos rápidos na alteração da microbiota, sendo que, três meses após cessação do tratamento, a microbiota não regressou ainda ao estado inicial. “A capacidade de resiliência da microbiota, a sua recuperação total e os dois a três primeiros anos de vida são fundamentais”, reforçou.

Várias especialidades são unânimes em considerar que é urgente alertar os profissionais de saúde para a necessidade de garantir uma microbiota equilibrada e saudável, começando desde logo pela programação dos primeiros anos de vida dos lactentes/crianças.

“Muitas das infeções mais frequentes nas crianças até aos 2 anos são víricas e não necessitam de antibiótico. É necessário que os pediatras conheçam as consequências do antibiótico na microbiota e o tempo que esta demora a recuperar após exposição a antibiótico. É ainda fundamental que saibam que, quando é efetivamente necessária a terapêutica com antibiótico, a associação de um probiótico ameniza o impacto na microbiota, sendo que é igualmente essencial o conhecimento de que os probióticos não são todos iguais para que exista ponderação no ato de escolha do probiótico” [uma vez que muitos deles não resistem ao efeito do antibiótico], defende Carla Rego, pediatra, professora convidada de Pediatria da Faculdade de Medicina, Universidade do Porto, e professora convidada e regente da disciplina de Nutrição Pediátrica.

Já o professor de Medicina Interna, Pedro Póvoa, Coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente do Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, sublinha que o uso de antibiótico deve resumir-se apenas ao tratamento de infeções, prescrevendo-se esta classe de fármacos apenas “quando existe uma situação grave e sensibilizando os profissionais de saúde para terapêuticas mais curtas. Temos de ser confiantes na capacidade de diminuir a duração da antibioterapia”.

Em concordância, o especialista em Medicina Oral e Maxilo-facial, Rui Amaral Mendes, destaca a necessidade de “sensibilizar os colegas da medicina oral para o uso mais judicioso do antibiótico e para uma escolha mais diferenciada, assim como para o impacto das interações farmacológicas no microbioma intestinal”. Por outro lado, defende que é preciso também alertar os profissionais de outras especialidades para a disbiose oral e a sua repercussão em diversas doenças.

“Temos de mudar o pensamento e perceber que, se vamos prescrever antibiótico, devemos juntar um probiótico. Isto porque sabemos, por exemplo, que a disbiose associada a antibióticos está relacionada com a síndrome do intestino irritável, com taxa de vaginose mais frequente e com taxas mais elevadas de infeção urinária”, reforçou o ginecologista e obstetra Cláudio Rebelo, presidente da Secção Portuguesa de Menopausa da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.

O painel de peritos reconhece que, apesar da muita evidência atual sobre a Disbiose Associada a Antibióticos (DAA) há ainda um longo caminho a percorrer, e deixa alguns conselhos e estratégias para uma abordagem futura, nomeadamente:

  • Maior acesso ao conhecimento/evidência científica, porque reconhecem falhas no acesso ao conhecimento sobre DAA por parte dos profissionais de saúde;
  • Foco na DAA e não apenas na resistência aos antibióticos, uma vez que persiste a prática de prescrição de antibiótico em demasia com preocupações apenas ao nível da resistência aos antibióticos, sem grande preocupação sobre os efeitos a longo prazo na microbiota intestinal e consequências da disbiose para a saúde;
  • Educação médica, fundamental para reforçar o conhecimento e saber mais sobre como minimizar os danos e ajudar na recuperação da microbiota após exposição a antibiótico;
  • Awareness, porque além de alertar para esta boa prática de prescrição do probiótico em concomitância com o antibiótico é fundamental sensibilizar os profissionais de saúde para o facto de os probióticos não serem todos iguais e para o tempo que leva a microbiota a restabelecer-se após exposição a antibiótico e quais as consequências que podem resultar do desequilíbrio da microbiota intestinal.

 

Notícia relacionada

“Temos cada vez mais evidências de que os desajustes da flora intestinal se relacionam com várias doenças”

Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais