Dor fantasma. “É desejável que o tratamento comece o mais precocemente possível”
Dalila Veiga é anestesiologista na Unidade de Dor do Centro Hospitalar Universitário de Santo António. Em entrevista fala sobre um tipo de dor que afeta, sobretudo, doentes amputados e que exige uma intervenção multidisciplinar.
Qual é a prevalência da dor fantasma?
A dor fantasma define-se como dor sentida no membro amputado que surge habitualmente na primeira semana após amputação, mas pode demorar meses até se manifestar. A dor fantasma tem uma elevada prevalência após cirurgia de amputação de membros. Estima-se que a prevalência varia entre 27%-85.6% de acordo com a maioria dos estudos. É importante distinguir dor de sensação fantasma que se caracteriza pela existência de sensações, que não dor, de movimento, tamanho , posição ou perceção de toque, pressão ou temperatura no membro amputado.
A que se deve a dor fantasma e a que tipo de patologias costuma estar associada?
A fisiopatologia da dor fantasma ainda é pouco compreendida. Apesar de a dor fantasma ocorrer maioritariamente em pessoas que sofreram amputação num membro, pode também ocorrer em outras partes dos corpos como dentes, mama, olho ou língua. Acredita-se que os mecanismos centrais de modulação (hiperexcitabilidade medular e reorganização somatossensorial do membro) têm um importante papel na fisiopatologia desta dor. No entanto, a presença de dor no coto da amputação é também um potencial fator contributivo, nomeadamente o desenvolvimento de neuromas. As principais causas de amputação são as complicações de diabetes mellitus e de doença vascular periférica, traumatismos e tumores.
“O desconhecimento e incompreensão em relação a esta entidade levam a que os doentes tenham um enorme sofrimento”
Qual o impacto na vida do doente?
A dor fantasma tem um enorme impacto na qualidade de vida dos doentes e na sua funcionalidade. O desconhecimento e incompreensão em relação a esta entidade levam a que os doentes tenham um enorme sofrimento. Alguns, consideram mesmo que se trata de um problema psicológico. Como tal, é fundamental explicar aos doentes sobre o risco do desenvolvimento de dor fantasma para que estes possam estar cientes que é uma complicação normal após uma cirurgia de amputação e que é importante iniciar precocemente o tratamento.
Quais os tratamentos mais adequados?
A dor fantasma é de difícil tratamento. As opções farmacológicas para o tratamento desta dor neuropática devem ser precocemente iniciadas, uma vez que a intensidade da dor previamente à cirurgia ou no pós-operatório imediato é o principal fator contributivo para a cronicidade da dor fantasma. A reabilitação funcional (massagem, estimulação transcutânea, ultrasons, etc.), a adaptação protésica e a terapia em espelho e da imagem guiada são também importantes no tratamento da dor fantasma. A presença de dor no coto de amputação pode também ser indicação para alguns tratamentos tópicos ou infiltração local.
Estes doentes devem se seguidos em Unidades de Dor?
Os doentes com dor de difícil controlo deverão ser encaminhados para as Unidades de Dor onde poderão ter acesso a uma abordagem multidisciplinar (anestesiologia, fisiatria, psicologia/psiquiatria, etc.) e a terapêuticas mais invasivas (por exemplo bloqueios ecoguiados, radiofrequência, tratamentos tópicos) com vista a otimizar o controlo da dor e a funcionalidade dos doentes. É importante ressalvar que estes doentes têm muitas vezes um enorme sofrimento associado à dor fantasma, pelo que, alguns poderão beneficiar precocemente de intervenção psicológica.
“A identificação e tratamento precoces da dor pelo médico de família são cruciais para melhorar o prognóstico a longo prazo destes doentes”
Como avalia, atualmente, o acesso a essas unidades no SNS?
O acesso às Unidades de Dor no âmbito do SNS é universal. Através da referenciação pelo médico de família ou intra-hospitalar os doentes têm acesso aos cuidados diferenciados e multidisciplinares que estas Unidades podem oferecer. No entanto, é desejável que o tratamento destes doentes comece o mais precocemente possível e, como tal, deve ser iniciado sempre que a dor fantasma é identificada.
O doente nunca deixa de ser também do médico de família. Que papel pode ter este especialista perante doentes com esta dor?
Os médicos de família têm um papel fundamental na avaliação e acompanhamento destes doentes. A identificação e tratamento precoces da dor pelo médico de família são cruciais para melhorar o prognóstico a longo prazo destes doentes. É, igualmente importante, atendendo ao maior envolvimento e conhecimento dos seus doentes, a explicação e desmitificação desta entidade que é pouco compreendida pelos doentes e pode ser causa de grande angústia e sofrimento.
De futuro, o que deve melhorar nesta área?
A principal melhoria envolve a articulação em rede das várias especialidades que têm um papel ativo na gestão dos doentes com dor fantasma, com vista a que o acesso e início do plano terapêutico adequado e personalizado para cada doente possa ser iniciado o mais precocemente possível. A sensibilização dos profissionais de saúde sobre a importância do tratamento precoce da dor, a educação dos doentes sobre esta entidade, a vigilância ativa referente ao desenvolvimento de dor fantasma e a rápida recuperação funcional e adaptação protésica são cruciais na melhoria dos resultados em saúde a longo prazo e da qualidade de vida destes doentes.
Texto: Maria João Garcia
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