Dor crónica. “Falta tempo na consulta”

Ter tempo para tratar o doente com dor crónica é fundamental para Raul Marques Pereira. O médico de família, com competência em Dor pela Ordem dos Médicos, espera que venham a ser criadas mais consultas de dor nos cuidados de saúde primários e que se veja a canábis medicinal como mais uma arma terapêutica para determinados doentes.

Dor crónica. “Falta tempo na consulta”

“A dor crónica é uma doença, não é um sintoma.” As palavras são de Raul Marques Pereira, especialista em Medicina Geral e Familiar (MGF) e coordenador do MGF.dor da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

O responsável considera que já se deu vários passos importantes na área da dor, nos últimos anos, mas “nunca é demais sensibilizar os profissionais de saúde para que lhe deem mais atenção”. “A dor crónica precisa de uma abordagem específica e não pode ser relegada para segundo plano”, realça.

Como acrescenta: “Esta doença quando não é controlada vai, inevitavelmente, condicionar as restantes. Por exemplo, uma pessoa com diabetes, que não faz atividade física por sentir dor, não vai controlar tão facilmente os níveis de glicemia. O mesmo se pode dizer de outras patologias crónicas.”

Questionado sobre qual o maior desafio atual na gestão do doente com dor crónica, é perentório: “A falta de tempo na consulta.” O médico de família enfatiza que é preciso escutar o doente, utilizar escalas de avaliação, apostar na literacia em saúde e reavaliar a medicação. “Para tal é preciso tempo para esta patologia complexa, daí que defenda a criação de consultas de dor nos cuidados de saúde primários”, diz.

Nem que seja apenas uma consulta por cada agrupamento de centro de saúde (ACeS), é uma forma de dar atenção a um problema que afeta cerca de 34% dos doentes dos cuidados de saúde primários, de acordo com os últimos dados de 2022.

Questionado sobre a aprovação recente de seis substâncias de canábis medicinal, Raul Marques Pereira diz que se trata de “um novo grupo terapêutico, diferente dos restantes, que veio reforçar o arsenal terapêutico para a dor”. Vê, assim, de forma positiva o seu uso na prática clínica. “Não é um produto de primeira linha, não pode ser usado de forma indiscriminada, mas tem imensos benefícios para os doentes, sobretudo em casos de dor oncológica, dor neuropática e síndrome de dor generalizada, que não respondem a outras terapêuticas.”

O médico de família, que trabalha na área da dor há vários anos, garante que é “um produto seguro” e que permite uma “mudança drástica” na vida dos doentes. “As pessoas veem a sua dor controlada e conseguem, desse modo, ser mais funcionais e  ter mais vida social.”

Quanto aos receios que ainda existem por parte de alguns profissionais de saúde, o coordenador do MGF.dor diz ser “normal”, por ser uma nova arma terapêutica. “Ainda há muito desconhecimento e muita vontade de perceber melhor o produto. Acredito que já houve muito mais estigma, essa barreira tem-se quebrado. A partir do momento em que é aprovado pelo Infarmed, o estigma reduz-se e tendencialmente desaparece.”

Continuando: “A maior parte dos médicos não teve um treino nas escolas de Medicina sobre canabinoides. Acredito que, acima de tudo, os colegas estão curiosos, uma vez que se trata de formulações diferentes do que estamos habituados: ou é um inalado, ou são gotas, o que gera algum desconforto do ponto de vista médico, porque não estão habituados. Esta atitude é perfeitamente legítima, porque a primeira tarefa de um profissional é proteger o seu doente.”

Mas, garante, “é um produto seguro, com evidência científica e que permite melhorar, e muito, a qualidade de vida dos doentes”.

MJG

 

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