Doenças Sexualmente Transmitidas (DST) anorretais (do ânus e do reto)
Assistente graduada de Gastrenterologia do Hospital Cuf Santarém e do Hospital Cuf Leiria.

Doenças Sexualmente Transmitidas (DST) anorretais (do ânus e do reto)

As DST são um verdadeiro problema de saúde pública, sendo o envolvimento anorretal comum e cada vez mais frequente dado o aumento de práticas sexuais anais. A transmissão pode ocorrer através da relação anal recetiva ou do contacto oral-anal.

Os sintomas são muitas vezes inespecíficos podendo o portador da doença ser mesmo assintomático, condicionando desafios diagnósticos e aumentando a probabilidade de transmissão.

Quando existe uma DST que afeta a região do ânus e do reto é importante lembrar que muitas vezes existem coinfeções (ou seja, mais do que uma infeção); além disso, a transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) é facilitada quando existe outra DST, agravando inclusivamente a história natural da doença.

A melhor forma de prevenção destas doenças é o uso de preservativo.

Com este artigo pretende-se abordar as DST com envolvimento anorretal mais frequentes.

 

Gonorreia e Clamídia
A Neisseria gonorrhea e a Chlamydea trachomatis são infeções bacterianas que podem causar proctite. Os sintomas mais frequentes são dor, emissão de sangue e/ou pus pelo ânus, sensação de peso no reto ou urgência em defecar. Os indivíduos portadores da infeção podem não apresentar sintomas. A clamídia pode mimetizar a doença de Crohn (doença inflamatória intestinal), nomeadamente com a formação de abcessos, fissuras ou fístulas perianais. O diagnóstico é feito através de zaragatoa retal e o tratamento com antibiótico (ceftriaxone na gonorreia e azitromicina ou doxiciclina na clamídia).

 

Vírus Herpes Simplex (HSV)
As lesões típicas do HSV são pequenas vesículas que podem ulcerar e ocasionar dor e/ou prurido (comichão). O vírus pode também inflamar o reto (proctite) e, nesse caso, os doentes podem apresentar febre, obstipação, sensação de peso no ânus, dificuldade em urinar, formigueiro ou dor na região sagrada.

É uma doença crónica que surge intermitentemente.

Existem 2 subtipos do HSV: o tipo 1, que causa sobretudo lesões orais e oculares, mas que está implicado em até 30% das lesões anogenitais, normalmente com evolução mais benigna; e o tipo 2, o mais frequentemente implicado nas infeções anogenitais.

O diagnóstico é confirmado através de zaragatoa ou biopsia.

Os antivirais (aciclovir, valaciclovir e famciclovir) são importantes não só para o tratamento das vesículas/úlceras como também para evitar as recorrências e a transmissão aos parceiros sexuais; contudo, o vírus fica sempre latente e podem surgir outros surtos da doença.

 

Sífilis
A sífilis é também uma doença bacteriana provocada por uma espiroqueta denominada de Treponema pallidum.

A doença é classicamente dividida em 3 fases: a primária associada ao “cancro duro” (pequena lesão que pode surgir na região genital, oral ou anal) ou proctite; a secundária, traduzida por lesões na pele e aumento dos gânglios linfáticos, podendo menos frequentemente causar sintomas noutros órgãos, nomeadamente olho, osso, articulações, meninges, rins, fígado e baço; e a terciária, que surge anos mais tarde, comumente com o aparecimento de massas inflamatórias na pele, osso ou órgãos internos (gomatosa), podendo também conduzir a lesões cardiovasculares (nomeadamente aneurismas) e a alterações neurológicas (neurossífilis).

O cancro duro é uma lesão muito infeciosa e pode passar despercebido por não causar dor ou desconforto; caracteriza-se por uma elevação avermelhada inicial e que se transforma numa úlcera com base dura, surgindo no local da inoculação (genitais, ânus ou boca); na região anal a úlcera é frequentemente dolorosa, ao contrário da área genital.

O diagnóstico de sífilis pode ser feito através de análise sanguínea e o tratamento de primeira linha é a penicilina.

 

Vírus do Papiloma Humano (HPV)
A infeção anogenital pelo HPV é comum, sendo frequente a eliminação espontânea do vírus através do sistema imunitário. Contudo, se a infeção persistir, podem surgir as verrugas, lesões pré-malignas ou cancro, nomeadamente no ânus. Os subtipos que causam cancro são diferentes dos que causam verrugas; os que mais frequentemente causam cancro são os tipos 16 e 18 e os que mais frequentemente originam verrugas são os tipos 6 e 11.

Atualmente, o plano nacional de vacinação contempla, aos 10 anos de idade, 2 doses da vacina (com intervalo de 6 meses) contra infeções pelo HPV de 9 genótipos; a vacinação está recomendada até aos 26 anos de idade, mesmo após o início da atividade sexual.

Os tratamentos disponíveis são dirigidos à doença e não ao vírus em si.

As verrugas são lesões benignas na forma de uma protuberância áspera na superfície e podem surgir na margem do ânus ou no interior do canal anal. Existem vários tratamentos para os condilomas perianais, nomeadamente a aplicação de creme (imiquimod), crioterapia (aplicação de azoto líquido), remoção cirúrgica (eletrocauterização), aplicação local de ácido tricloroacético e também terapêutica com árgon plasma. Os doentes com condilomas perianais devem ser avaliados em consulta de Proctologia para realizar anuscopia (observação do canal anal). Apesar do tratamento, as verrugas podem reaparecer.

As lesões anais percursoras de cancro provocadas pelo HPV (lesões intraepiteliais escamosas de alto grau) são mais frequentemente tratadas através electrocauterização, coagulação com infravermelhos ou árgon plasma. O cancro anal é raro na população em geral, não existindo em Portugal um rastreio populacional implementado, mas sendo a observação anual em consulta de Proctologia benéfica em grupos de maior risco, nomeadamente doentes com infeção HIV, homens que têm sexo com homens, mulheres com antecedentes de cancro do trato genital inferior e doentes transplantados.

Pretende-se, ainda, enfatizar que a via sexual anal é também forma de transmissão do HIV ou do Vírus da Hepatite B (HBV) e, que podem também ser transmitidas infeções gastrointestinais, levando inclusive a quadros de diarreia crónica como é o caso da giardíase.

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