11 Jan, 2023

Doenças cardiovasculares. “As mulheres desvalorizam as queixas e o seu risco cardiovascular”

A desvalorização dos sintomas por parte das mulheres e também dos profissionais de saúde leva a que estas procurem menos frequentemente ajuda médica, o que conduz a um diagnóstico mais tardio (como no caso do enfarte agudo do miocárdio) e ao subtratamento, alerta, em entrevista, a cardiologista Brenda Moura, do Hospital Militar D.Pedro V.

Qual o impacto das doenças cardiovasculares (DCV) nas mulheres?

Na Europa, as doenças do aparelho circulatório (doenças cardíacas e cerebrovasculares) são a principal causa de morte, e são responsáveis em 46% das mortes nas mulheres e 38% nos homens. Em Portugal, a prevalência de doenças cardíacas e mortalidade por doença cardíaca é relativamente mais baixa. No entanto, continuam a ser a principal causa de morte, representando 30% em 2018.

Se analisarmos com mais detalhe as diferenças por sexos, verificamos que nas mulheres, as doenças do aparelho circulatório representam 33% de todas as mortes, enquanto nos homens, as doenças oncológicas são já a principal causa de morte, representando as doenças do aparelho circulatório apenas 21%.

É visível um subdiagnóstico de DCV nas mulheres? Este subdiagnóstico conduz ao subtratamento? Quão preocupante é esta realidade?

Sabemos que as mulheres desvalorizam habitualmente as suas queixas e o seu risco cardiovascular. Isto leva a que procuram menos frequentemente ajuda médica, e que refiram menos as suas queixas.

Por outro lado, os próprios profissionais de saúde, tendem a valorizar menos as queixas das mulheres. Isto radica provavelmente num conceito antigo de que as mulheres tinham menos frequentemente doença cardíaca. De facto, durante o período fértil as mulheres têm alguma “proteção” relativamente as doenças cardíacas. Mas o panorama atual é de uma longevidade que ultrapassa em muito o fim do período fértil. Verificamos que até aí as mulheres têm menos doença cardíaca, mas a seguir à menopausa verifica-se um crescimento acentuado destas, ultrapassando a prevalência dos homens.

Existe agora o reconhecimento de que os profissionais de saúde também abordam pouco e explicam menos vezes às mulheres o seu risco cardiovascular, e também são menos pró-ativos no início de tratamentos específicos. Um estudo revelou que menos de 25% dos profissionais tinham implementado medidas de prevenção de doenças cardiovasculares nas mulheres; o tratamento da dislipidemia é menos vezes iniciado em mulheres comparativamente com homens.

O tratamento de algumas situações urgentes, como Enfarte Agudo do Miocárdio, é mais tardio nas mulheres do que nos homens. Contribuem para isto uma desvalorização dos sintomas pela própria mulher e pelos profissionais de saúde, mas também o facto de as queixas serem menos típicas na mulher.

De facto, muito do conhecimento biológico e médico radica em estudos que muito frequentemente incluíam só homens. E sabemos agora que as várias doenças cardíacas se podem apresentar de forma diferente nos homens e nas mulheres. Não só em termos de sintomas mas também aquilo que o coração “apresenta”. Por exemplo, na insuficiência cardíaca, é frequente encontrar no homem um coração de tamanho aumentado, e com “falta de força”. No entanto, nas mulheres é menos frequente termos este aspeto; o que se verifica, é um coração de tamanho normal, e com força. Durante muito tempo pensava-se que, portanto, não havia aqui doença que justificasse as queixas apresentadas. Sabemos agora, que muitos desses corações apresentam uma “rigidez” que os impede de realizar eficazmente o seu trabalho, e é isso que dá as queixas.

O que se pode fazer para melhorar esta situação? O que está a ser feito?

Um primeiro passo, e extraordinariamente importante, foi chegar a esta conclusão – a prevalência de doenças cardíacas é grande nas mulheres, mas ela tem características diferentes.

Agora o passo seguinte é divulgação e ensino, a vários níveis. A nível da população, a nível dos profissionais de saúde, a nível de dirigentes na área de saúde. As Sociedades Científicas médicas têm ultimamente dado um grande ênfase a esta questão, o que é fundamental, pois é o motor dos restantes passos.

A divulgação para a população geral é extremamente necessária.

SO

Notícia Relacionada

Estudo LATINO. Quase 40% dos adultos têm risco cardiovascular alto ou muito alto
Print Friendly, PDF & Email
ler mais
Print Friendly, PDF & Email
ler mais