Dissinergia do pavimento pélvico
Gastrenterologista do Hospital de Braga

Dissinergia do pavimento pélvico

Introdução
A dissinergia do pavimento pélvico define-se como uma contração paradoxal ou um relaxamento inadequado dos músculos do pavimento pélvico. Vamos explorar a dissinergia do pavimento pélvico posterior que se relaciona com a evacuação embora também estejam descritas dissinergias relacionadas com a micção ou a atividade sexual. Dissinergia evacuatória é um termo interessante para definir esta incapacidade de movimentar corretamente o pavimento pélvico para que ele cumpra esta função. Geralmente as pessoas que sofrem com dissinergia do pavimento pélvico são obstipadas.

Desconstruindo estes conceitos – obstipação e dissinergia…
A obstipação crónica é um diagnóstico frequente estando a sua prevalência estimada a nível mundial em 15%. A obstipação define-se como uma defecação infrequente, difícil ou insatisfatória e pode manifestar-se por um espectro largo de sintomas – um número reduzido de dejeções por semana, sensação de bloqueio anoretal, esforço evacuatório excessivo, sensação de evacuação incompleta. Uma pessoa com obstipação crónica (há mais de 3 meses) deve ser avaliada e categorizada em um de dois grupos de obstipação – a obstipação primária e a obstipação secundária.

A obstipação secundária está associada a uma causa que pode ser medicamentosa, hormonal ou de origem neurológica. Quando pensamos nas causas secundárias da obstipação, estas podem incluir medicamentos muito comuns como analgésicos opioides, antidepressivos e ansiolíticos ou suplementos de ferro. Também podem incluir doenças sistémicas e neurológicas como hipotiroidismo, diabetes mellitus ou doença de Parkinson assim como alterações anatómicas como são as sequelas de cirurgia coloretal.

E em relação à obstipação primária? A obstipação primária não apresenta uma causa evidente e vai ser diagnosticada de acordo com determinados critérios.

Existem critérios para definir as diversas doenças primárias do tubo digestivo – estas doenças denominam-se doenças do eixo cérebro-intestino e os critérios que as definem são os critérios de Roma (já temos a quarta versão destes critérios de Roma publicada).

Assim os critérios de Roma para a obstipação primária vão permitir fazer o seu diagnóstico clínico, habitualmente com recurso a exames complementares apenas se necessário excluir alguma causa secundária de obstipação ou na necessidade de estudo complementar do subgrupo de obstipados com suspeita de distúrbios defecatórios.

Assim, um doente com obstipação primária deve apresentar dois dos seguintes critérios: 1) menos de 3 dejeções por semana, esforço evacuatório excessivo, sensação de evacuação incompleta, sensação de bloqueio anal, fezes endurecidas, uso de manobras digitais para evacuar. As fezes são endurecidas em > 25% das evacuações. Quando o quadro de obstipação cursa com sintomas de dor abdominal recorrente podemos estar perante um doente com síndrome do intestino irritável com obstipação. A escala de consistência das fezes de Bristol é uma ferramenta visual útil para avaliar as características endurecidas das fezes referidas nos critérios de Roma.

Os critérios de Roma reconhecem ainda subgrupos de obstipação primária – obstipação de trânsito normal, obstipação de trânsito lento e os distúrbios defecatórios. É nos distúrbios defecatórios que vamos incluir a dissinergia do pavimento pélvico. Na dissinergia, a coordenação muscular anorectal está perturbada. Outros distúrbios defecatórios podem incluir alterações estruturais anoretais como prolapso retal ou retocelo. Estes distúrbios defecatórios parecem justificar aproximadamente metade dos casos de obstipação primária.

A causa das coisas…
As causas de obstipação primária são diversas e complexas e incluem distúrbios da motilidade e sensibilidade do intestino assim como aspectos dietéticos e da nossa microbiota intestinal. Fatores psicológicos e comportamentais estão também implicados. Quando a obstipação primária se relaciona com distúrbios defecatórios, comportamentos de aprendizagem perturbados parecem estar implicados.

Avaliando as pessoas obstipadas
Na avaliação da obstipação, devem ser consideradas inicialmente as causas secundárias que poderão ser excluídas habitualmente com uma história clínica detalhada e análises sumárias. Estas análises devem fazer exclusão de anemia, doença celíaca, patologia tiroideia ou desequilíbrios iónicos. Na presença de sinais de alarme (emagrecimento, perdas de sangue) ou na suspeita forte de uma causa secundária, a colonoscopia ou exames de imagem abdomino-pélvica podem estar indicados assim como o estudo aprofundado e a referência a outra especialidade. Existe uma multiplicidade de exames para avaliar os doentes com obstipação primária. O principal objetivo desses exames será o diagnóstico de um distúrbio evacuatório ou de obstipação de trânsito lento. Estes exames complementares devem ser realizados quando for necessário esclarecer o mecanismo fisiopatológico subjacente à obstipação e se isso alterar o plano de tratamento. Podem incluir a realização de teste de expulsão de balão, manometria anoretal ou defecografia dinâmica (com algumas modalidades imagiológicas descritas) e o tempo de trânsito cólico. Não existe um único exame gold standard e os doentes devem apresentar alteração evacuatória em 2 de 3 exames complementares para se fazer o diagnóstico definitivo de um distúrbio evacuatório.

Tratando a obstipação crónica – passo a passo
A abordagem terapêutica da obstipação decorre em diversas etapas progressivas. As medidas iniciais devem focar nas modificações do estilo de vida (aumento da ingestão de fibras e atividade física, redução de stress, higiene do sono e correção dos hábitos na casa de banho). As pessoas obstipadas poderão melhorar a postura na casa de banho com o uso de banco dos pés. Dependendo da interacção com a água, as fibras podem ser solúveis (vegetais, frutas, legumes) ou insolúveis (farelos, grãos, cereais) e o ideal será uma adequada ingestão dos dois tipos de fibras atrvés de uma alimentação variada ou recorrendo a suplementos. As fibras insolúveis devem ser introduzidas gradualmente e com uma adequada ingestão de água.

Os passos seguintes incluem o uso de laxantes osmóticos como o macrogol ou a lactulose, diariamente e em dose crescente se necessário.

Os laxantes estimulantes como o sene e o bisacodilo estimulam a atividade coloretal. Poderão ser usados de modo contínuo e associados ou não aos laxantes osmóticos descritos. Podem originar cólicas abdominais – efeito secundário relacionado com o seu mecanismo de ação.

Aos laxantes descritos, podem ainda ser associados (ou utilizados em substituição) medicamentos secretagogos ou procinéticos, que aumentam a secreção de fluidos intestinais ou o movimento cólico por ação directa. Está apenas disponível em Portugal a linaclotida.

A dissinergia do pavimento pélvico pode ser corrigida com reabilitação funcional do pavimento pélvico com diversas modalidades de biofeedback descritas. Poderão estar indicadas correções cirúrgicas de alterações estruturais nos distúrbios defecatórios, como no caso de retocelo ou prolapso retal.

 

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