6 Abr, 2017

Debate – Dilemas Éticos em Fim de Vida

A Preservação da vida e a clarificação de termos marcaram o debate sobre "dilemas éticos em fim de vida"

O Salão Nobre da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos encheu ontem para acolher um interessante debate em torno dos “Dilemas Éticos em Fim de Vida”. Um debate que reuniu António Sarmento, especialista em Medicina Intensiva e Infeciologia no Centro Hospitalar de São João e vice-presidente do CRNOM, e Susana Magalhães, doutorada em Bioética e membro do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa. O presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos (CRNOM) começou por recordar que este é um tema que tem merecido especial atenção da Comunicação Social, não só com o debate em torno da Directiva Antecipada de Vida, mas, em especial, com a discussão sobre a Eutanásia, que está em sede da Comissão Parlamentar de Saúde. “Os médicos são parte muito interessada neste assunto, porque existimos não só para tratar dos doentes, para cuidar da vida, mas também para acompanhar e assistir o doente até à morte”, salientou António Araújo. “É uma matéria que diz respeito a todos nós, enquanto médicos e cidadãos”, referiu, admitindo que esta é “uma questão em que não existe uma única solução e uma única visão”. Susana Magalhães começou por salientar que “precisamos de aceitar a nossa morte para poder ajudar o outro a morrer com dignidade”.

“Os dilemas éticos em fim de vida são vividos por cada um de nós e por quem cuida de quem morre”, frisou. Para a investigadora da Universidade Católica “com o debate sobre a eutanásia, em vez de uma reflexão sobre a vida pretende-se a reflexão sobre um tal direito à morte na ausência de uma reflexão ponderada sobre o sentido da dignidade da vida humana”.

“A eutanásia não é apenas mais um debate moral entre tantos outros”, sustentou Susana Magalhães. “Aceitar que é legítimo matar o outro a seu pedido, parece contrariar todos os nossos esforços para promover uma cultura da vida”, reforçou a investigadora.

Susana Magalhães vai mais longe e afirma que “a morte como parte do cardápio hospitalar transforma um pacto de cuidados num pacto de morte, legitimado pelo próprio Estado”. “O argumento de que a eutanásia é a resposta a dar em casos de sofrimento intolerável, prognóstico reservado, diagnóstico certo, estado terminal, tem duas implicações: por um lado assumimos que as doenças graves são, de facto, um fardo para a Sociedade e que os doentes que querem morrer mais não fazem do que ter razão. Por outro lado, atribuímos à Medicina uma dimensão totalmente objectiva que ela não tem e não pretende ter”.

A investigadora ilustrou ainda o debate com alguns dados referentes à realidade holandesa onde em 2003 se verificaram menos de 2000 casos de eutanásia, enquanto em 2014 esse número era já superior a 5000.

“Como é que uma criança pode pedir a sua própria morte através da decisão mais absoluta e irrevogável se a sua idade política começa aos 18 e a idade criminal começa aos 16 anos”, questionou, assegurando que a legitimação da eutanásia para crianças “trata-se de um absurdo lógico e moral”.

Citando Daniel Serrão, o médico intensivista António Sarmento recordou que “nem tudo que é tecnicamente possível é eticamente aceitável”. Um dos dilemas que se coloca em fim de vida, frisa o vice-presidente do CRNOM, diz respeito a perceber “quando é que estamos a preservar a vida, que é uma obrigação dos médicos, ou quando é que estamos a prolongar a morte”.

No entender do especialista em Medicina Intensiva e Infecciologia no Centro Hospitalar de São João, um dos problemas que urge resolver no debate sobre a eutanásia é “saber-se qual o significado que cada interveniente atribui aos termos que usa”. António Sarmento defende, desde logo, que “o debate sobre o suicídio assistido e a eutanásia está inquinado, desfigurado, por terminologia imprecisa”. Por isso, e citando de novo Daniel Serrão, defende que “eutanásia é matar uma pessoa doente que pede para ser morta”.

António Sarmento aproveitou ainda para clarificar alguma confusão mediática que tem surgido aquando da discussão sobre a eutanásia e que, refere, “levou alguns médicos a, erradamente, dizerem publicamente que já tinham praticado eutanásia passiva”. “Confunde-se muitas vezes não iniciar uma terapêutica inapropriada, que significa recusar a obstinação terapêutica, ou suspender uma terapêutica inapropriada, que também é uma boa prática médica, com eutanásia passiva”, explicou.

O dirigente do CRNOM criticou igualmente o uso do termo morte assistida. “Deve ter sido um termo inventado em Portugal porque não encontro referências ao mesmo em lado nenhum. Encontro referências a suicídio assistido, eutanásia passiva, agora morte assistida não sei o que é”, frisou. “Será que perante um sofrimento, o doente ao pedir a eutanásia, não estará antes a pedir que o deixem morrer , que não lhe prolonguem futilmente a sua vida, que não façam distanásia ou obstinação terapêutica?”

O debate contou ainda com uma dissertação do psiquiatra Carlos Mota Cardoso sobre a origem de três termos que considera fundamentais na discussão em torno dos dilemas éticos em fim de vida: a vida, a morte e o médico. “O médico é aquele que conhece o caminho para a ajuda ao doente, para combater o sofrimento e conduzir o doente de mão dada até à estação final, até à morte”, sustentou.

Hélder Robalo

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