Cancro do pulmão. Pandemia origina diagnósticos mais tardios

Nódulos pulmonares que eram, de certa forma, detetados acidentalmente, ficam por ser observar devido ao adiamento de consultas nos centros de saúde e de exames, diz, em entrevista, o médico cirurgião do Hospital de São João.

À semelhança de cancros como o da mama ou o do intestino, também o diagnóstico de cancros do pulmão foi afetado pela pandemia? Que consequências teme no futuro próximo?

Sim, com certeza que o diagnóstico do cancro do pulmão foi afetado pela pandemia, sobretudo o diagnóstico precoce.

À semelhança de outras patologias do foro oncológico, tem-se verificado uma redução no número de primeiras consultas por cancro do pulmão, sobretudo de doentes em estadios precoces e consequentemente no diagnóstico atempado de doentes que poderiam ser submetidos a uma terapêutica potencialmente curativa, como seja a cirurgia.

A redução do número de doentes diagnosticados em fases iniciais da doença que seriam por isso referenciados para cirurgia é explicado quando se percebe o curso natural da doença. A maioria dos doentes submetidos a cirurgia de tratamento de cancro do pulmão são assintomáticos. O cancro do pulmão é detetado nestes doentes muitas vezes pela realização de uma radiografia torácica de rotina ou pela realização de uma tomografia computorizada (TC) torácica por exemplo devido a um traumatismo ou aquando do seguimento de outra patologia qualquer.

Neste momento, com a realização de menos consultas nos cuidados de saúde primários e com o adiamento consecutivo de meios complementares de diagnóstico devido à pandemia, estes nódulos pulmonares que eram de certa forma detetados acidentalmente, ficam por ser observados.

As consequências atuais e crescentes no futuro próximo é que os doentes sejam diagnosticados e cheguem aos profissionais de saúde numa fase mais avançada da doença e mais debilitados.

 Qual a importância do diagnóstico precoce no prognóstico do doente?

O diagnóstico precoce é fundamental, dado que o prognóstico da doença é determinado pela estadio do qual esta é diagnosticada. Quando diagnosticado, aproximadamente 70% dos casos de cancro do pulmão encontram-se já numa fase avançada da doença e a realidade é que o largo espectro de fases nos quais a doença é detetada compreende desde o pequeno nódulo pulmonar com menos de um centímetro que pode ser tratado com cirurgia – permitindo uma sobrevida aos 5 anos de cerca de 92% – até ao cancro do pulmão em estadios avançados, com múltipla metastização à distância, cujo prognóstico contempla uma sobrevida aos 5 anos inferior a 5%.

 A demora na referenciação constitui um obstáculo ao diagnóstico precoce?

O principal obstáculo ao diagnóstico precoce não é a referenciação, mas sim a dificuldade de deteção do cancro do pulmão, dado o seu curso inicial silencioso. Uma das respostas para uma deteção mais precoce poderá ser o rastreio, à semelhança do que já é efetuado em outras patologias oncológicas como o cancro da mama ou cancro colo-rectal. A evidência sobre rastreio no cancro do pulmão tornou-se mais sólida com os recentes resultados do maior estudo europeu nesta área, no qual se verificou que a realização de TC de baixa dose a fumadores ou ex-fumadores entre os 50 e os 74 anos, permitiu uma redução da mortalidade de 26% em homens deste grupo de alto risco, sendo essa redução ainda mais acentuada nas mulheres consideradas de alto risco. A implementação de um programa de rastreio nacional poderá ser o passo essencial que pode mudar definitivamente o paradigma do cancro do pulmão.

TC/SO

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