Cancro do pulmão. “A segmentectomia de porta única diminui riscos em futuras cirurgias”
José Miranda, cirurgião torácico, alerta para a importância do rastreio ao cancro do pulmão e realça as mais-valias da segmentectomia de porta única. Trata-se de uma nova técnica minimamente invasiva que, segundo o médico, é menos agressiva e diminui os riscos de possíveis futuras cirurgias.
Qual é a prevalência do cancro do pulmão?
O cancro do pulmão é a neoplasia maligna com maior incidência em Portugal. As últimas estatísticas indicam que, neste preciso momento, podem morrer diariamente 14 pessoas devido ao cancro de pulmão. Isto deve-se essencialmente a muitos anos de grande consumo de tabaco. Mesmo com as atuais medidas de desaconselhamento de consumo tabágico, só veremos resultados práticos daqui a algumas décadas.
O diagnóstico continua a ser tardio. Qual é que seria a mais-valia de um rastreio a grupos de risco?
O diagnóstico é tardio, porque, infelizmente, as pessoas procuram ajuda médica quando começam a ter sintomas. O cancro do pulmão dá sinal, normalmente, numa fase avançada.
Estima-se que, na altura do diagnóstico, 80% dos doentes já se encontram numa fase tardia da doença e não são operados. Recentemente, foram publicados diversos estudos, entre os quais o mais conhecido foi Ensaio NELSON, realizado na Bélgica e nos Países Baixos, que demonstrou a evidência sobre a utilidade e o sucesso da instituição de um programa de rastreio do cancro do pulmão num determinado grupo populacional, com uma faixa etária específica e um historial de consumo tabágico. Mas até isso ser implementado a nível europeu, inclusive em Portugal, ainda será necessário o desenvolvimento de muitos outros estudos.
A implementação de um programa de rastreio requer a criação de um hardware de capacidade de diagnóstico, que permita realizar com uma maior periocidade exames aos doentes para o controlo da doença. Por sua vez, isso implica uma maior necessidade de recursos humanos, ou seja, radiologistas, enfermeiros e técnicos. É uma situação complexa, que exigirá um planeamento detalhado para a criação de todas as condições fundamentais para a sua aplicação prática.
“Em algumas regiões de Portugal, para chegarem ao diagnóstico, os doentes estão vários meses à espera de exames”
Apesar das mais-valias do rastreio, após o resultado, existem condições para dar seguimento no Serviço Nacional de Saúde (SNS)?
Naturalmente que sim. Embora existam avanços, a situação ainda não é perfeita. A questão essencial não se cinge apenas à inscrição e execução da cirurgia. Os problemas começam a montante, desde o estudo e pedido de exames ao diagnóstico. Em algumas regiões de Portugal, para chegarem ao diagnóstico, os doentes estão vários meses à espera de exames. É uma constante espera de um sistema que está com muitas dificuldades em responder e, sobretudo, o aumento da incidência do cancro do pulmão e a necessidade de fazer um rastreio tem levantado problemas ao SNS.
“Além de menos agressivo, este tratamento preserva a função pulmonar, o que é especialmente benéfico para doentes idosos”
Existem novas técnicas, como a segmentectomia de porta única. Em que consiste e quais os seus benefícios?
Antigamente, quando os doentes chegavam tinham tumores de dimensão maior, o que obrigava a que fosse feita uma cirurgia maior. Atualmente, com mais pessoas a realizarem mais precocemente os exames, conseguimos diagnosticar lesões mais pequenas. Na abordagem clássica do tratamento de cancro do pulmão – lobectomia –, removeríamos o lobo – nos dias de hoje, numa lesão de 1 cm, se estiver numa localização adequada, não faz sentido retirar o lobo todo, porque faz falta.
Neste momento, do ponto de vista técnico, com os avanços tecnológicos, sobretudo por via da cirurgia endoscópica uniportal ou poliportal, temos imagem de alta-definição em 4K, quase melhor do que a olho nu, que permite cirurgias menos invasivas para problemas pulmonares que antes exigiam grandes intervenções. Além de menos agressivo, este tratamento preserva a função pulmonar, o que é especialmente benéfico para doentes idosos, mais suscetíveis a complicações e à necessidade de cirurgias futuras.
A capacidade pulmonar não é infinita. A remoção excessiva de tecido pulmonar, durante cirurgias, pode comprometer futuras intervenções cirúrgicas, devido à insuficiência de volume pulmonar restante. A segmentectomia diminui a possibilidade de aparecimento de novos riscos em futuras cirurgias, preservando a qualidade de vida dos doentes.
São centros altamente equipados e diferenciados, que contam com profissionais preparados para realizar este tipo de cirurgias.
Em que doentes pode ser aplicada?
Esta técnica pode ser aplicada, essencialmente, em doentes com lesões até 2 cm, em que haja uma clara definição da fronteira entre os segmentos e que não seja uma lesão central.
Em termos de organização e logística, deve estar disponível apenas em centros especializados?
Sim, até porque a especialidade da Cirurgia Torácica só existe em alguns hospitais centrais (três hospitais em Lisboa, um em Coimbra e três no Porto). São centros altamente equipados e diferenciados, que contam com profissionais preparados para realizar este tipo de cirurgias.
MJG
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