Portugal tem incidência mais elevada da Europa Ocidental. “Faz falta um rastreio nacional organizado”

A elevada incidência deste tipo de cancro na população imigrante e a falta de um rastreio organizado a nível nacional explicam os números. No entanto, os casos são diagnosticados em fases cada vez mais precoces, diz a ginecologista Filipa Ribeiro, em entrevista ao SaúdeOnline.

Quais são os sinais de alarme a que as mulheres devem estar atentas?

Na maior parte das vezes, é completamente assintomático. Daí a importância do rastreio, para fazer um diagnóstico precoce. Quando as senhoras têm perdas de sangue anómalas (fora da menstruação); quando perdem sangue nas relações sexuais; quando têm corrimento frequentes com cheiro fétido. São sintomas que surgem geralmente em fases mais avançadas da doença.

De quanto em quanto tempo deve ser feito o rastreio?

A periodicidade do rastreio vai depender do método que aplicarmos. Temos testes com sensibilidades diferentes que permitem apertar ou alargar a vigilância. Atualmente temos 3 tipos de testes que podemos aplicar e não há um consenso (nem em Portugal nem no mundo). Se nas mulheres entre os 21 e os 30 anos fizermos a citologia (o papanicolau), deverá ser realizada pelo menos de 3 em 3 anos.

A partir dos 30 anos (o colégio americano defende até 25 anos), podemos associar o teste à pesquisa do vírus HPV, que nos permite ter uma sensibilidade muito maior para a lesão do colo do útero. Quando temos um teste de HPV negativo, podemos espaçar mais a vigilância (discute-se entre os 3 os 5 anos).

Dra. Filipa Ribeiro: “Cada vez temos conseguido diagnosticar estadios mais precoces. Estadios mais avançados são cada vez mais raros”

Qual é a incidência deste tipo de cancro em Portugal?

Os últimos dados (de 2018) indicavam 8,9 casos por cada 100 mil mulheres/ano. Atualmente surge um caso por dia, o que perfaz 300 a 400 casos/ano.

Todos os casos de cancro do colo do útero são causados pelo HPV?

Sabemos que 99,8% são causados pelo HPV.

Há alguns casos raros descritos de carcinomas em que o teste HPV está negativo. Como também existem casos de citologia negativa em carcinomas do colo do útero. Mas mais uma vez estes casos são uma minoria.

O rastreio com citologia veio diminuir em 70% o carcinoma do colo do útero e quando associado ao teste de HPV esta protecção aumenta em 60-70%.

Portugal tem a mais elevada taxa da Europa Ocidental deste tipo de cancro. Existe alguma explicação para isto?

Nós em Portugal não temos um rastreio organizado a nível nacional. Faz falta um rastreio que convoque as mulheres. Temos nalgumas regiões. A mais antiga é a região Norte, e o grande Porto. Depois, há rastreios organizados a nível local.  Contudo, a maior parte está num rastreio oportunístico, em que só quem tem acesso a cuidados de saúde faz o rastreio. Nós temos uma grande população migrante e, neste momento, as lesões mais importantes verificam-se nesta população, que não tem um bom acesso aos cuidados de saúde.

Há alguns agrupamentos de centros de saúde que chamam as mulheres para o rastreio e que podem ter aqui um papel importante também.

Sim mas do ponto de vista burocrático as coisas não estão completamente oleadas a nível nacional. Mas o papel mais importante caberia ao médico de família.

Do total de casos, quantos chegam a um estadio avançado?

O Cancro do Colo do Útero é o 4º tipo de cancro mais frequente nas mulheres, e a segunda causa de morte por cancro em mulheres jovens (menos de 44 anos), representando 6,6% das mortes femininas por cancro em todo o mundo.

Cada vez temos conseguido diagnosticar estadios mais precoces. Estadios mais avançados são cada vez mais raros. O mais curioso neste cancro é que conhecemos bem a sua história natural: entre uma infeção por HPV e o aparecimento de cancro, podem passar 20 anos. Existem estádios intermédios, que podem ser diagnosticados e vigiados para não evoluírem para cancro. Há aqui uma janela de oportunidade a que temos de dar cada vez mais valor, porque muitas das lesões iniciais podem regredir sozinhas. Aquelas que persistem e se agravam são tratadas e não evoluem para cancro. Raros são os casos que evoluem rapidamente. A história natural é de 10 a 20 anos.

Há, portanto, uma janela temporal muito grande para se atuar.

Exatamente.

A progressão para cancro é evitável com a prevenção primária – através da vacinação e pela prevenção secundária – o rastreio. O foco do ginecologista é esse. Apanhando essa janela, temos diagnósticos precoces e podemos fazer ensino para a saúde, criar hábitos de vida saudável, de reforço do sistema imunitário, de evicção de fatores de risco. Há uma relação direta entre o tabaco e o cancro do colo do útero, que é evitável. Os doentes que têm de fazer terapêutica com corticoides ou imunossupressores têm maior risco.

80 a 85% das mulheres e, segundo um estudo feito em 2018, 85% dos homens também têm contacto com o HPV em algum momento da vida. Depois depende do nosso sistema imunitário, conseguirmos combatê-lo.

Em relação à terapêutica, nos casos em que a doença chega a um estadio mais avançado, quais são as opções para o médico?

Nos estádios mais precoces, pode-se optar por manter a fertilidade e retirar apenas um uma porção do colo do útero ou o colo do útero – traquelectomia e a doente pode ser considerada tratada; ou opta-se por tirar o útero – histerectomia. Em estádios mais avançados pode ser necessária radioterapia externa ou braquiterapia intracavitária.

Nos casos em é necessário recorrer à cirurgia, essas mulheres podem esperar vir a ser mães, se ainda estiverem em idade fértil?

Se retirarmos o útero, não. Mas se tirarmos um pedaço ou mesmo o colo do útero, essas mulheres podem engravidar. Mas é sempre uma avaliação conjunta com o tipo de células que estão no cancro e tendo em conta o estadio.

TC/SO

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