BCG pode facilitar “a montagem da resposta imunitária” contra a Covid-19

A vacina contra a tuberculose, administrada em Portugal apenas a crianças, pode dar alguma proteção contra o coronavírus.

A imunologista Ana Espada de Sousa, do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, da Universidade de Lisboa, sustentou que a BCG, não sendo a solução, uma vez que “não é uma vacina contra o coronavírus”, pode vir a ser um possível tratamento para a covid-19 se for comprovado nos testes clínicos que ajuda a “eliminar mais rapidamente o vírus” ou a evitar as manifestações mais graves da doença.

Ana Espada de Sousa, que dirige o Laboratório de Imunodeficiências Humanas e Reconstituição Imunitária, salienta que a BCG “é uma das vacinas mais potentes a ativar” as células dendríticas.

Estas células constituem parte do sistema imunitário inato e processam os antigénios – substâncias introduzidas no organismo por vírus, bactérias, parasitas, fungos ou toxinas – que vão estimular a formação de anticorpos específicos capazes de neutralizar esses antigénios, travando a infeção.

São as células dendríticas que vão apresentar os antigénios às células especializadas do sistema imunitário: os linfócitos T, que “serão capazes de eliminar as células infetadas”, e os linfócitos B, que “produzem anticorpos contra o microrganismo infeccioso”.

Os anticorpos (glicoproteínas) são produzidos e expelidos pelas células plasmáticas – células que existem no soro sanguíneo e que foram geradas a partir dos linfócitos B – para responder a uma substância estranha ao organismo.

Neste sentido, de acordo com a investigadora Ana Espada de Sousa, a vacina BCG pode facilitar “a montagem da maquinaria da resposta imunitária” contra uma infeção que aparece pela primeira vez, como a causada pelo novo coronavírus.

 

“Pode conferir uma certa proteção, alguma proteção, não uma proteção total”

 

Segundo a virologista Maria João Amorim, do Instituto Gulbenkian de Ciência, “há a correlação de que países sem implementação universal da vacina BCG, tal como a Itália, a Holanda e os Estados Unidos, estão a ser mais severamente afetados pela pandemia comparativamente a outros países em que a vacinação com a BCG está implementada”.

Para a cientista, que lidera o grupo de investigação de Biologia Celular da Infeção Viral, “surge assim uma janela de oportunidade, ainda que pequena, de que a vacina BCG possa estar a proteger contra a infeção de SARS-CoV-2”.

Pode conferir uma certa proteção, alguma proteção, não uma proteção total”, defendeu a imunologista Helena Soares, do Centro de Estudos de Doenças Crónicas (Cedoc) da Universidade Nova de Lisboa, assinalando que só uma vacina, que ainda não existe, poderá dar essa proteção total contra o SARS-CoV-2, muito embora não se saiba por quanto tempo.

Contudo, o que a vacina contra a tuberculose, vulgarmente conhecida como BCG, pode fazer é, segundo Helena Soares, “tornar a infeção” pelo novo coronavírus “menos severa”, ao “ativar o sistema imunitário inato”, aquele que responde de forma imediata a uma infeção causada por um vírus, uma bactéria ou um parasita sem saber de que vírus, bactéria ou parasita se trata, uma vez que é novo.

Ou seja, a vacina BCG tem um duplo efeito no sistema imunitário: além de induzir a produção de anticorpos contra a bactéria da tuberculose, a ‘Mycobacterium tuberculosis’ ou bacilo de Koch, gerando uma resposta imunitária mais rápida e específica contra a infeção, combatendo-a, também ajuda o sistema imunitário, numa resposta inicial, a agir contra um invasor, que reconhece, genericamente, como sendo uma bactéria ou um vírus, mas que desconhece qual é, porque, sendo novo, não tem memória dele.

No fundo, explicou Helena Soares, a BCG, apesar de ter sido concebida especificamente para prevenir uma infeção bacteriana como a tuberculose, confere “uma proteção viral geral, embora limitada”.

A imunologista realça, a este propósito, citado estudos científicos, que a vacina BCG tem, por exemplo, um efeito protetor contra o vírus da febre-amarela.

Apoiando-se nas amplas potencialidades da BCG, cientistas na Holanda, Grécia, Alemanha, Reino Unido, França e Austrália vão testar a vacina em médicos, enfermeiros e idosos para verificar até que ponto pode prevenir ou mitigar os efeitos da infeção provocada pelo coronavírus da covid-19.

Os médicos e enfermeiros, por cuidarem de doentes, estão em risco acrescido de ser infetados pelo SARS-CoV-2, que se propaga facilmente.

Os idosos são mais vulneráveis à doença, nas suas manifestações mais graves, devido à fragilidade do seu sistema imunitário. A letalidade da covid-19 é prevalecente nos idosos, sobretudo com doenças crónicas (cardiovasculares, respiratórias ou cancro) associadas.

Caso os ensaios clínicos sejam conclusivos e confirmem a proteção da BCG contra o novo coronavírus, ainda que parcial, ressalva a imunologista Helena Soares, o reforço da administração da vacina poderá ser uma opção profilática (depois de feito o teste à tuberculina) até ao aparecimento de uma vacina específica para o SARS-Cov-2, que, de acordo com as previsões mais otimistas, só deverá estar disponível dentro de ano e meio.

Em Portugal, a BCG deixou de ser dada, de forma universal, à nascença em 2017, passando a ser administrada a crianças de famílias com risco acrescido para a tuberculose ou que vivem numa comunidade com uma elevada incidência da doença.

Desde 2017 que a BCG não consta no Programa Nacional de Vacinação, em vigor desde 1965 e onde a vacina tinha sido incluída em passos sucessivos.

SO/LUSA

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