8 Fev, 2023

“As unidades de AVC deveriam ter equipas treinadas e dedicadas”

Para além das assimetrias regionais no acesso a unidades de AVC, que podem colocar em causa a prestação de cuidados, outro problema é a falta de equipas próprias nestas unidades, sublinha, em entrevista, o neurologista Miguel Rodrigues.

Miguel Rodrigues foi um dos coordenadores, juntamente com José Mário Roriz, do estudo “Caracterização das Unidades de AVC em Portugal 2021”, um trabalho organizado pela Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral (SPAVC) e que se destinou a compreender o funcionamento da Via Verde de AVC (VVAVC) e das Unidades de AVC.

O estudo identificou “uma distribuição claramente desigual” das Unidades de AVC ao longo do território. Em que regiões há maior carência de resposta?

O que este trabalho concluiu é que há uma assimetria regional significativa, ou seja, a maior parte das unidades de AVC encontram-se junto ao litoral e perto dos maiores centros populacionais.

Existem áreas, como o Alentejo, onde a cobertura por unidades de AVC não é a que deveria, o que faz com que haja doentes que têm de percorrer 100 quilómetros para terem acesso a uma unidade. Nos distritos de Beja e Portalegre não há unidades de AVC. No de Évora existe uma.

No caso do Algarve, e embora esta região tenha duas unidades (em Portimão e em Faro), o tratamento endovascular não está geralmente disponível, o que faz com que os doentes tenham de ser transportados para a área de Lisboa para serem tratados. A deslocação é complexa. Os doentes beneficiariam se tivessem maior capacidade de respostas nas suas unidades de AVC.

No caso das Açores, existem limitações e tratamentos que não estão disponíveis, nomeadamente o tratamento endovascular. O que faz com que alguns doentes tenham de ser transportados de avião para Lisboa.

Este estudo tem também aspetos positivos. Temos, em Portugal, mais sete unidades de AVC (num total de 35) em relação a 2017, quando fizemos o último estudo.

Essas assimetrias podem colocar em causa a prestação de cuidados aos doentes?

Sim, por causa da distância. No caso do AVC, quanto mais depressa o doente chegar ao local onde pode ser tratado, melhor o resultado final. Ficará com menos incapacidade se o tratamento resultar. O ideal seria que os doentes tivessem uma unidade de AVC a uma distância de 30 minutos, o que não acontece nas áreas geográficas que referi. Outro problema é que o transporte entre hospitais não está devidamente assegurado. Isso acrescenta ainda mais tempo.

Depois de chegar ao hospital, deve ser tratado dentro de uma hora, o que inclui o tempo para ser visto, fazer exames e começar o tratamento.

Além disso, todas a unidades contactadas referiram ter lacunas, como a dificuldade em ter equipas próprias. Isto é, os profissionais que trabalham nas unidades de AVC (enfermeiros, médicos, fisioterapeutas) acumulam funções na unidade e noutras áreas do hospital. Ora, as unidades de AVC deveriam ter equipas treinadas e dedicadas àquela função.

Há uma carência de profissionais especializados na reabilitação pós-AVC.

Sim, há falta de fisioterapeutas, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais [De entre as 35 Unidades de AVC do país, três reconhecem não ter equipa própria de enfermeiros, cinco dizem não ter fisioterapeutas dedicados e três não têm terapeutas da fala]. Este é um aspeto relevante porque é importante reabilitar os doentes. A falta de profissionais faz com que o início da reabilitação seja mais demorado, aumentando o tempo que o doente demora a regressar à sua vida normal. Cerca de um terço das pessoas que tem um AVC não volta a fazer as atividades que fazia antes e outro terço não consegue fazer exatamente as mesmas coisas, seja em casa ou no trabalho. Logo, dois terços das pessoas ficam limitadas para o futuro.

Que impacto espera que este estudo tenha na forma como Portugal vai enfrentar o AVC nos próximos anos?

Para melhorar temos de conhecer a realidade. Somos um país muito centralizado mas não há dados em determinadas áreas, como esta. Agora o objetivo é criar condições para que as unidades de AVC em Portugal possam estabilizar e evoluir, também no sentido de termos certificações de nível europeu. A certificação é uma garantia de que os processos estão a funcionar e que se mantêm atualizados.

SO

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