Alterações Climáticas: Uma Ameaça Também à Saúde
Doutora em Engenharia do Ambiente || Técnica Superior de Ambiente na ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável

Alterações Climáticas: Uma Ameaça Também à Saúde

As Alterações Climáticas (AC) têm vindo a ser identificadas como uma das maiores ameaças ambientais, sociais e económicas que o planeta e a humanidade enfrentam na atualidade. Envolvem muitas dimensões e são um problema global, sentido em escalas locais, que perdurará por décadas e séculos.

O clima do mundo está a mudar a um ritmo e de uma forma sem precedentes. De furacões que afetam comunidades no Caribe ao aumento do nível do mar que ameaça vidas e meios de subsistência no Pacífico, ondas de calor e secas em toda a Europa e pessoas deslocadas no contexto de eventos climáticos extremos, chuvas torrenciais e inundações, os efeitos das AC já estão a ter impactos nos direitos humanos, incluindo o direito à alimentação, água e saneamento, habitação decente, saúde, segurança pessoal e até à própria vida.1

 

Aumento da Temperatura Global

As temperaturas globais tiveram um aumento “sem precedentes” nos últimos 150 anos, indica um estudo da Universidade de Arizona. As concentrações de gases com efeito de estufa (GEE) atingiram níveis recorde em 2020, mesmo com a desaceleração económica provocada pela pandemia de Covid-19, com o atual ritmo de emissões, a temperatura global continuará a aumentar.

Pela sétima vez consecutiva ocorreu o verão mais quente alguma vez registado (49,6 ºC no Canadá), ondas de calor estão a tornar-se mais frequentes por todo o mundo e as suas consequências cada vez mais intensas. Vagas globais de incêndios marcaram este ano, desde a Grécia até à Califórnia, só em Portugal, 67 170 hectares de floresta arderam em 2021. Mas o aquecimento global não se sente apenas no sentido literal de aquecimento: sente-se no agravamento de todas as condições extremas.2

Segundo alertaram os especialistas na Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP26), pelo menos mil milhões de pessoas vão ser afetadas pelo calor extremo se as temperaturas globais aumentarem 2ºC.

 

Degelo e Subida do Nível do Mar

O degelo e o aumento da temperatura da água têm feito subir o nível médio dos oceanos, “roubando” terra em vários pontos do globo. O nível do mar subiu para um novo máximo em 2021. Cinco pequenas ilhas do Arquipélago das Ilhas Salomão, no Oceano Pacífico, já foram engolidas pelo mar. As ilhas Fiji ou Tuvalu podem desaparecer já em 2050. Se nada se fizer para inverter a trajetória atual, as projeções apontam para uma subida média de 2 m do nível médio do mar até 2100. De acordo com a The Lancet, mais de 569 milhões de pessoas vivem a menos de 5 m acima do nível atual do mar, correndo riscos de inundações e de “salinização” do solo e da água, o que poderá obrigar a migrações a curto prazo.

 

Ondas de Calor e Secas

As secas e ondas de calor triplicaram nos últimos 50 anos na Europa. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM) a seca causou 29% dos desastres climáticos nos últimos 19 anos. As atuais projeções das AC indicam que as secas deverão tornar-se mais graves e afetar desproporcionadamente as pessoas nos países em desenvolvimento. Segundo as Nações Unidas, a seca, uma “crise global escondida”, poderá tornar-se na próxima pandemia, e Madagáscar está à beira de sofrer a primeira grande fome provocada pelas AC em todo o mundo.

Prevê-se que, em 2050, as ondas de calor causem 120 000 mortes adicionais por ano na União Europeia.3 Estas ondas de calor extremo afetam sobretudo os países do Sul da Europa e Mediterrâneo, onde Portugal se inclui, provocando seca extrema, desertificação de solos, escassez de água, mais incêndios e crises na produção agrícola.4

 

Fenómenos Climáticos Extremos

Os fenómenos climáticos extremos já não são excecionais e a violência e rapidez com que se desenrolam são cada vez maiores. Em 2018 houve 70 ciclones no Hemisfério Norte, valor acima da média (53), afetando mais de 2,4 milhões de pessoas. Em 2017 chuvas torrenciais e inundações afetaram mais de 5,4 milhões de pessoas (causando mortes e potenciando ambientes favoráveis para vírus e bactérias).

Só em 2021, o mundo experimentou ondas de calor excecionais na América do Norte e no sul da Europa, incêndios devastadores no Canadá e na Sibéria, uma vaga de frio extraordinária no centro dos Estados Unidos, precipitação extrema na China e na Europa Ocidental.

 

Embora seja inequívoco que as AC afetam a saúde humana, continua a ser um desafio estimar com precisão a escala e o impacto de muitos riscos à saúde. No entanto, os avanços científicos permitem-nos progressivamente atribuir-lhe um aumento da morbilidade e mortalidade, e determinar com mais precisão os riscos e a escala dessas ameaças.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que, entre 2030 e 2050, as AC causem 250 000 mortes adicionais por ano (95 mil por desnutrição, 60 mil por malária, 48 mil por diarreia e 38 mil por stress térmico) face às atuais 150 000.

As AC constituem, não só, uma ameaça à saúde física e mental como são um multiplicador de riscos, algumas ameaças já existentes irão intensificar-se e novas ameaças à saúde irão surgir. Podem afetar diretamente a saúde através de temperaturas extremas, designadamente ondas de calor ou vagas de frio, cheias e tempestades, secas, frequência aumentada de doenças de origem hídrica e alimentar e uma mudança de padrão nas doenças com origem em vetores e roedores.

Consequências mais indiretas, destacam-se as alterações de saúde resultantes da poluição atmosférica, aumento de alergénicos ambientais, efeitos na saúde mental (sobretudo quando há mortes de pessoas e animais e/ou perda de meios de subsistência), impactes de desastres naturais, disrupção dos métodos de produção alimentar, e criação de condições ideais para a transmissão de doenças infeciosas.5

Estes riscos de saúde são desproporcionalmente sentidos pelos mais vulneráveis ​​e desfavorecidos, incluindo mulheres, crianças, minorias étnicas, comunidades pobres, migrantes ou pessoas deslocadas, populações idosas e aqueles com problemas de saúde subjacentes.6

Para a ZERO, a estabilização do clima exige reduções fortes, rápidas e contínuas nas emissões de GEE. A limitação de GEE e de outros poluentes atmosféricos, especialmente metano, tem benefícios tanto para a saúde como para o clima. Proteger a saúde humana das consequências das AC, exige transformações em setores como o energético, transportes, alimentar e financeiro.

 

Fontes Consultadas

1 – United Nations Climate Change (UNFCCC)

2 – COP26 – A última chance da Humanidade

3 – Agência Europeia de Ambiente (AEA)

4 –The Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC)

5 – António Tavares, 2018. Acta Med Port

6 – Organização Mundial de Saúde (OMS)

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