Abordagem clínica na lombalgia
Especialista em Medicina Física e Reabilitação/Medicina da Dor no Hospital de Braga

Abordagem clínica na lombalgia

A lombalgia é a causa mais frequente de dor nos países ocidentais. Num recente estudo efetuado nos Cuidados de Saúde Primários em Portugal Continental, a prevalência de dor crónica foi estimada em 34% da população e a localização mais comumente referida foi a região lombar (66%).

Afeta todos os grupos etários e tem especial incidência entre os 40 e os 60 anos (idade ativa). Na maioria das vezes acaba por ser de curta duração, mas com taxas altas de remissão durante o ano. Outras vezes perdura ao longo do tempo e torna-se crónica com múltiplas consequências em termos pessoais e sociais, custos económicos significativos, nomeadamente com as taxas altas de absentismo laboral. Nos EUA estima-se que após 2 anos com episódios de dor lombar, a probabilidade de retorno ao posto de trabalho é praticamente nula.

Importa, no entanto, notar que em cerca de 25% dos casos, a dor não é necessariamente lombar, mas com origem noutras estruturas articulares próximas, nomeadamente da coxa femoral ou da(s) sacro-ilíaca(s) e que em 15% dos casos não é mesmo possível determinar a sua etiologia, o que torna o desafio da sua abordagem mais difícil e as propostas terapêuticas mais incertas.

De forma a simplificar a abordagem diagnóstica, podemos tentar diferenciar a dor lombar em três grandes grupos de patologia: a lombalgia inespecífica de caracter eminentemente mecânico; a lombalgia com componente neuropático associado, geralmente devido a(s) radiculopatia(s) (hérnia discal, estenose canalar, síndrome doloroso pós cirurgia lombar) e com repercussões neurológicas no individuo e a lombalgia secundária a outras causas subjacentes, nomeadamente, tumores, infeções ou condições inflamatórias.

A lombalgia inespecífica caracteriza-se por uma dor localizada na região lombo-sagrada e eventualmente nadegueira e é exacerbada quando se altera a posição ou se mantém a postura por períodos prolongados de tempo. Afeta primordialmente indivíduos entre a segunda e a quinta década de vida e em 90% dos casos recupera no período de seis a oito semanas. No exame físico, o doente apresenta dor à palpação da região lombar associada a contractura muscular paravertebral, limitando o arco de movimento, sobretudo a rotação vertebral.

A lombalgia associada a radiculopatia resulta do compromisso das raízes nervosas (o cone medular termina normalmente a nível L1), nomeadamente sequelar a hérnia discal, a maior parte das vezes com compromisso unilateral ou estenose canalar, quase sempre bilateral. Nestes casos, o doente define a dor com descritivos típicos da dor neuropática como “sensação de choque eléctrico, ardor, fisgada ou formigueiro” e tem uma irradiação para os membros inferiores (face anterior se o nível atingido é preferencialmente L2 e L3, ou face posterior, mias habitual, se o nível é L4,L5 e S1). Agrava-se com o movimento e melhora com a posição sentada. No exame físico constatamos geralmente compromisso neurológico (reflexos osteo-tendinosos, sensibilidade e força muscular alterada em função do território atingido) e dor ao longo do trajecto irradiado, com os testes de tensão nervosa geralmente positivos. O prognóstico é favorável em 50% dos casos, ao final de seis a oito semanas.

Na lombalgia secundária devemos estar atentos aos sinais de alerta (“red flags” na literatura anglo-saxónica) de um tumor (astenia, anorexia, emagrecimento súbito em indivíduos com mais de 55 anos), de uma infeção (febre é o principal sinal de alerta) ou de fratura vertebral compressiva (nomeadamente em indivíduos de idade avançada, com osteoporose, medicados com corticoterapia de baixa dose de forma prolongada). Nestes casos o quadro clínico é determinado pela condição de base e o prognóstico dependerá da doença de base.

Em termos terapêuticos deve-se aplicar a máxima popular que “prevenir é melhor do que remediar”, dado que as opções terapêuticas são muitas vezes limitadas. Para este facto concorre o contexto individual de cada um, nomeadamente a idade, o peso e o contexto profissional em que está inserido. Sendo que não podemos corrigir a idade, resta-nos atuar e sensibilizar o individuo para o controlo ponderal. O exercício tem aqui um papel decisivo, devendo ser adotadas preferencialmente as atividades aeróbicas de baixo impacto como a caminhada ou a hidroterapia, que também são medidas terapêuticas não farmacológicas na lombalgia.

Dentro destas medidas, o trabalho de correção postural e os exercícios de alongamento e fortalecimento muscular da cintura lombo-pélvica são duas opções válidas e com evidência científica demonstrada.
Em termos profissionais devemos informar o individuo sobre as questões posturais e ergonómicas do posto de trabalho, idealmente alternando a posição de sedestação com a posição ortostática.

No momento atual que vivemos, em que o teletrabalho e a utilização de computadores é prática comum, é fundamental chamar a atenção para a utilização correta da cadeira com apoio/almofada lombar e apoio de antebraços e necessidade de pausas pontuais na atividade profissional.

Nas medidas farmacológicas, e como sempre, devemos usar os analgésicos, com ou sem ação na dor neuropática, na menor dose que seja eficaz e pelo menor tempo possível. São sempre medidas paliativas que não resolvem o problema de base, mas que visam o controlo da dor e assim melhorar por mais ou menos tempo, a qualidade de vida do individuo.

A terapêutica de base imunológica, com a utilização dos chamados fármacos biológicos poderá abrir portas a uma ação mais consistente e duradora e mudar o paradigma do tratamento farmacológico da lombalgia.
Nos casos mais renitentes ao tratamento, os doentes devem ser referenciados para estruturas hospitalares de tratamento de Dor Crónica, de modo a poderem ser estudados e tratados com procedimentos específicos minimamente invasivos (infiltrações paravertebrais, bloqueis nervosos, radiofrequência,…), ou com intervenção cirúrgica (idealmente o menos invasiva possível), de forma particular nas situações com repercussões neurológicas ou mesmo e em última instância, com a colocação de neuroestimuladores medulares.

Interessa combater este flagelo desde o seu início, criando condições de trabalho adequadas ao individuo, tendo em consideração a sua condição física e psíquica/emocional.

Apesar do esforço científico desenvolvido nesta área, a lombalgia continua a ser um problema importante em saúde, pelo que importa estar atento e diagnosticá-la precocemente. Previne-se a sua cronificação e com grande probabilidade teremos uma ação terapêutica bem-sucedida.

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