25 Abr, 2018

“A Saúde é o maior sucesso da democracia portuguesa”, defende Maria de Belém Roseira

Tendo como pano de fundo a 6ª edição do Prémio Maria José Nogueira Pinto em Responsabilidade Social, o SaúdeOnline esteve à conversa com a Dra. Maria de Belém Roseira, presidente do júri deste galardão, para conhecer um pouco melhor a iniciativa e procurar traçar um retrato da população portuguesa no contexto da responsabilidade social.

Como nasceu o Prémio Maria José Nogueira Pinto em Responsabilidade Social?

Maria de Belém Roseira (MBR) | O Prémio Maria José Nogueira Pinto foi instituído pela MSD, farmacêutica para a qual a Dra. Maria José Nogueira Pinto colaborou na área da Responsabilidade Social. Como desapareceu muito precocemente, a MSD decidiu instituir um prémio em seu nome para honrar a sua memória, dirigido às instituições que neste domínio promovam ações com determinadas características que as distingam de outras.

O prémio tem um valor de 10 mil euros e podem-se atribuir três menções honrosas no valor de 1.000 cada uma.

O trabalho do júri é sempre difícil, porque há muitos trabalhos interessantes e, sempre que pretendemos, temos a hipótese de dar quatro menções honrosas.

Este ano os interessados só podem apresentar as suas candidaturas online, o que facilita a vida tanto às instituições como ao júri, que assim ficam livres das tradicionais cargas de pastas em papel.

Mas recebem muitas candidaturas?

MBR | Sim. Este ano já temos registadas imensas instituições que visitaram o site para conhecer as normas do regulamento para efeitos de candidaturas.

Considera, portanto, que houve um aumento no interesse por esta iniciativa?

MBR | O interesse é sempre muito grande, na medida em que estas instituições vivem com dificuldades. No geral, têm protocolos com a Segurança Social, mas se querem fazer algo diferente, já não têm muito apoio. Este incentivo é importante porque mais do que um ‘balão de oxigénio’, dá às instituições a possibilidade de executar o projeto.

E o que acontece aos projetos vencedores depois da premiação?

MBR | Os vencedores continuam a ter algum acompanhamento da nossa parte, uma vez que a atribuição do prémio tem como contrapartida a sua execução. Como tal, todos os anos fazemos uma “repescagem” das edições anteriores para saber como é que as coisas avançaram e que resultados foi possível atingir. Há um acompanhamento e, de certa forma, uma prestação de contas por parte da organização vencedora.

Qual foi a instituição vencedora na última edição e em que consistia o seu projeto?

MBR | No ano passado, atribuímos o primeiro prémio a um projeto muito interessante da Santa Casa da Misericórdia de Peso da Régua que, a nosso entender, com potencialidades enormes não apenas para a localidade, mas também para outras instituições que queiram seguir aquela metodologia. O projeto consiste no contacto muito precoce das crianças com as áreas da matemática, ciências, robótica e computação e essa familiarização com matérias que são vistas como complexas pretende garantir que as crianças se relacionem com mais facilidade para que depois possam seguir uma formação que vai muito ao encontro do que futuro lhes irá exigir.

Na cerimónia deste ano vamos mostrar um vídeo com aquilo que a Santa Casa da Misericórdia conseguiu realizar com base no prémio que lhe foi atribuído.

Quais são os critérios de seleção para atribuição o prémio?

MBR | Em função da tipologia do projeto, avaliamos se é inovador, se melhora as condições das pessoas às quais é dirigido, se tem capacidade de replicação e se constituiu uma necessidade local. Estas são as avaliações que o júri faz e, perante um conjunto de projetos, vai escolher aquele que reúne características que o distingue dos demais.

Qual a importância de promover incentivos no contexto da solidariedade social?

MBR | Nós pertencemos todos a uma mesma comunidade. O que se passa com os outros, que muitas vezes se traduz na dificuldade de as pessoas conseguirem resolver sozinhas um determinado problema, deve suscitar a atenção e o apoio da sociedade envolvente. Cada um viver para si é uma forma muito pobre de vida. Queremos suscitar, divulgar e dizer ‘ajudem-se uns aos outros’, até porque ninguém está livre de precisar de ajuda e o que queremos sublinhar é o altruísmo que simboliza uma forma mais civilizada de se viver em comunidade.

Como e quando é que surgiu o seu interesse pelas questões sociais?

MBR | O interesse surgiu na altura em que iniciei o meu estágio de advocacia. Tinha que trabalhar, porque os estágios não eram pagos, à semelhança do que acontece hoje em dia. Portanto, fui trabalhar na Direção-Geral da Previdência e logo a seguir deu-se o 25 de abril, quando comecei a envolver-me. Trabalhei no gabinete da Engenheira Maria de Lurdes Pintassilgo, secretária de estado da Segurança Social e, mais tarde, ministra dos assuntos sociais, e isso levou-me a contactar com realidades que eu desconhecia e que mereciam realmente a atenção das políticas públicas.

Já foi ministra da Saúde, de 1995 a 1999, e agora foi nomeada para presidir a comissão de revisão da Lei de Bases da Saúde. Qual é a prioridade?

MBR | Prioridades há muitas. Acho que a Saúde é o maior sucesso da democracia portuguesa e todos temos que ser capazes de fazer com que o Serviço Nacional de Saúde seja enquadrado do ponto vista legal por forma a que consiga cumprir melhor o seu papel.

A saúde não é apenas realizada pelo SNS, é feita muito antes através dos hábitos e dos ensinamentos que adquirimos e que permitem defender e promover a saúde. Isso faz-se em casa, na escola, no local de trabalho, na forma como conduzimos, faz-se em todo o lado. E depois quando vamos parar ao sistema da doença, este deve estar mais ativo e deve existir sob uma organização adequada para responder às necessidades de cada cidadão. Cada um de nós é uma realidade específica e autónoma, e as nossas necessidades são tantas quanto as pessoas que existem.

O envelhecimento da população foi apontado como um fator a ter em consideração na revisão de bases. O que pode ser feito a nível social?

MBR | Já existe um programa que foi conduzido pelo ministério e que pretende dar uma orientação a um conjunto de ações que devem ser desenvolvidas para o envelhecimento ativo. Em Portugal, como as nossas condições sociais são muito difíceis, depois dos 65 anos temos menos anos de vida saudáveis em comparação aos países nórdicos. A partir dessa faixa etária, temos à volta de 5,7 anos de esperança de vida saudável, enquanto que os nórdicos têm quase 16.

É uma grande diferença, mas como é evidente, os nórdicos têm condições de vida diferentes das nossas. São países com elevado grau de capacitação e de formação da população. Ora, uma das nossas grandes debilidades é a falta de graus de ensino na nossa população. E com falta de qualificação, não somos produtivos e recebemos salários baixos e, por isso, não temos grandes condições de vida. Começa tudo antes do Serviço Nacional de Saúde.

No caso dos jovens, são muitas vezes apontados como desinteressados pelas questões sociais. Concorda?

MBR | Não, eu vejo muitos jovens em ações de grande generosidade. Acho que devíamos reconhecer mais a importância disso. Ainda no exemplo dos países nórdicos, o voluntariado tem valor curricular e em Portugal isso nem se quer consta. Pode-se pôr no currículo, mas grande peso na seleção que normalmente é feita. O voluntariado social tem que ser avaliado pela sociedade e pelas empresas como uma grande riqueza e como uma forma diferente de estar no mundo que deve ser reconhecida e valorizada.

Quais são as alterações necessárias na sociedade no âmbito da responsabilidade social?

MBR | Eu acho que a responsabilidade social é uma atividade que as empresas devem ter no seu código genético. No âmbito das comunidades onde se inserem é importante que contribuam para a melhoria da sua situação social e económica. Nós próprios, como consumidores, devemos ser exigentes com as empresas e valorizar aquelas que são mais ativas no domínio da responsabilidade social.

Quanto às comunidades em si, o princípio da solidariedade é um dos mais nobres que deve estar presente na nossa preocupação e na nossa formação, seja a que é dada em casa seja a que é ministrada nos estabelecimentos de ensino. Uma comunidade mais feliz e mais liberta de problemas tem mais capacidade para respirar. E quando respiramos bem, produzimos melhor e contribuímos mais para o enriquecimento coletivo.

SaúdeOnline

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