Tuberculose. “A prevenção passa, em primeiro lugar, por aumentar a literacia sobre esta doença”

Em entrevista, a pneumologista Maria da Conceição Gomes destaca quais continuam a ser as principais preocupações relativas à tuberculose.

A médica pneumologista e coordenadora do Programa de Tuberculose da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), Maria da Conceição Gomes, destaca o diagnóstico precoce e a adesão à terapêutica, mas também a deteção e prevenção da tuberculose (TB) latente, como os grandes desafios no combate a este problema grave de saúde pública.

A prevalência da tuberculose em Portugal preocupa?

A incidência da TB é sempre uma preocupação para nós que trabalhamos nesta área, visto que a TB ainda é um problema grave de saúde pública a nível mundial e ainda tem um relativo peso em Portugal. Sabemos que a incidência de TB no nosso país tem vindo paulatinamente a observar uma descida, no entanto não podemos deixar de estar atentos, porque ainda há zonas que nos preocupam, como freguesias com prevalência mais elevadas que média regional e nacional.

 

Quais as principais formas de contágio e como prevenir?

A forma mais frequente de contágio da TB é por via aérea, à semelhança de outras doenças infecciosas, como a covid-19. Quando tossimos, as gotículas propagam-se e ligam-se ao hospedeiro, que pode ou não desenvolver a doença, mas que pode ficar com o bacilo [de Koch] – TB latente – e pode ou não vir a desenvolver a doença.

A prevenção passa, em primeiro lugar, por conhecer a doença, sabermos que ela existe e aumentar a literacia a este respeito. Depois, importa estar atento a alguns sinais e sintomas que possam aparecer, de forma a podermos acelerar o diagnóstico. Um dos problemas a que assistimos é que, na maior parte das vezes, os doentes já nos chegam muito tempo depois do início da sintomatologia.

Que sintomas devem deixar-nos alerta para TB e o que fazer no caso de suspeita?

Os sintomas da TB são muito subtis. Muitas vezes, é só um cansaço… A maior parte das vezes há tosse e esse é um sintoma que deverá colocar a pessoa em alerta, sobretudo tosse com duração superior a uma semana. Nesse caso, deve recorrer ao seu médico assistente. Pode ter mais ou menos expetoração, pode ter raios de sangue na expetoração, sentir arrepios, febre… Toda esta sintomatologia deve alertar a pessoa para suspeita de TB.

Quais são, para os médicos, os principais desafios no diagnóstico e tratamento da TB?

Sabemos que a TB é uma doença que tem cura e temos medicamentos para a tratar, comparticipados a 100% para o doente. O principal desafio reside na adesão à terapêutica, uma vez que os doentes têm que fazer cerca de 10 comprimidos por dia, durante meses a fio. Igualmente desafiante é a tuberculose latente.

A terapêutica personalizada é outro objetivo que já estamos a tentar incrementar em todos os agrupamentos de centros de saúde (ACES) da ARSLVT.

Outro desafio é o facto de esta ser uma área onde tem havido pouca inovação terapêutica ao longo dos últimos anos. Gostaríamos muito de ver a indústria farmacêutica a conseguir, pelo menos, melhorar os regimes terapêuticos, na sua duração e número de comprimidos. Já seria um enorme avanço e certamente melhoraria bastante a adesão dos doentes à terapêutica.

Ainda um objetivo final, que persigo há muitos anos: ir à comunidade, ir ao encontro das pessoas, ir aos serviços prisionais, ao encontro da população mais vulnerável. É preciso fortalecer cada vez mais esta proximidade das equipas no terreno, embora neste último ano tenha sido particularmente difícil, dada a pandemia.

Importa ainda refletir e avaliar as sequelas que a covid-19 deixa a nível pulmonar e como é que a TB pode ser um risco nesse contexto. Porque a TB tem uma caraterística muito específica que é aumentar em incidência de cada vez que ocorre uma pandemia. Já vimos isso com o VIH, com a gripe A e, por isso, temos que estar preparados e delinear desde já as atuações no terreno para fazer frente às implicações pós-covid.

 

Que impacto está a atual pandemia a ter neste contexto da infeção pelo bacilo de Koch (prevalência, capacidade de diagnóstico, consultas e tratamentos)?

Do ponto de vista dos nossos serviços dos Centros de Diagnóstico estivemos sempre de porta aberta. Todos os doentes enviados para serem vistos, foram vistos. Tivemos obviamente que nos adaptar e fizemos consultas de seguimento por teleconsulta e o controlo da medicação por telefone. Estas mudanças não representaram o “desaparecimento” de doentes do sistema.

Os desafios deste último ano, em contexto pandémico, mostraram que cada vez mais temos que trabalhar em conjunto e ficam certamente soluções/lições para o futuro.

 

No seu entender, e numa perspetiva global, que medidas são cruciais para combater o flagelo da TB?

Primeiro, volto a frisar a necessidade de conhecer a doença, saber que ela existe, saber que tem cura e que é uma doença cujo tratamento é comparticipada a 100%.

Segundo, se qualquer indivíduo iniciar sintomatologia respiratória deve contactar o seu médico assistente, porque é importante fazermos o diagnóstico célere. Terceiro, é preciso haver cada vez mais adesão à terapêutica. Por último, as estruturas da saúde têm que se rodear de organizações da sociedade civil para vencermos esta luta. A comunidade é uma peça fundamental neste combate, pelo que temos que pugnar por um suporte cada vez mais intenso e alargado à comunidade e também, no atual contexto que vivemos, ao recurso à telemedicina.

Outro aspeto de suma importância passa por combater o estigma ainda associado a esta doença: é preciso não ter vergonha de dizer que teve ou tem TB.

 

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