24 Nov, 2023

“A Oncologia não se coaduna com grandes tempos de espera”

Miguel Abreu, presidente da Sociedade Portuguesa de Oncologia, faz um balanço do 20.º Congresso Nacional de Oncologia, que decorreu entre 22 e 24 de novembro, no Centro de Congressos do Estoril. Em entrevista, fala também do estado da Oncologia nacional.

Que balanço faz do Congresso?

Tendo em conta o feedback dos colegas é um balanço muito positivo. Foram mais de 900 inscritos e as sessões foram muito participadas.

No primeiro dia houve uma sessão dedicada aos doentes com cancro avançado, na qual falaram sobre o que sentem. Como médico, o que é que mais o chamou a atenção?

Fizemos questão que todas as pessoas que vieram  ao congresso pudessem ler em cartazes o que os doentes com este tipo de cancro sentem, como lidam com a sua patologia. Para os oncologistas, e todos aqueles que trabalham nesta área, devem saber o que pensam os doentes, porque nas consultas nem sempre nos transmitem tudo. É essencial perceber o que sentem, as suas angústias, preocupações, para conseguirmos abordar questões que preocupam a pessoa e que vão pôr em causa, de alguma forma, a sua qualidade de vida. Nós, profissionais de saúde, devemos ter a humildade de reconhecer que há coisas que nos podem escapar.

O doente geriátrico e a Inteligência Artificial (IA) foram temas abordados no evento.  Como vê estes dois desafios?

São ambos um pouco diferentes. Existem sempre grupos especiais na Oncologia, quer sejam mais velhos ou mais novos, e que exigem uma abordagem mais específica também do ponto de vista do contexto psicossocial. Nos casos dos doentes geriátricos é preciso alertar para as suas especificidades para que possamos tratar melhor, ir ao encontro das suas particularidades.

A IA é um desafio mais transversal. É uma ferramenta que, como foi dito na sessão, não é assim tão inteligente, não tem um pensamento crítico, logo necessita do médico, de profissionais de saúde. Obviamente, tem mais-valias, como, por exemplo, na Radiologia ao melhorar o tempo de espera entre a realização do exame e a entrega dos resultados. Temos que acompanhar a evolução tecnológica e perceber de que forma nos pode ajudar.

“A população está cada vez mais envelhecida e a doença oncológica está associada também à idade. É um problema de saúde pública”

Olhando para a Oncologia nacional, que desafios enfrentam neste tempo de crise do Serviço Nacional de Saúde (SNS)?

Acima de tudo, é preciso perceber que a Oncologia vai continuar a estar na ordem do dia. A população está cada vez mais envelhecida e a doença oncológica está associada também à idade. É um problema de saúde pública! Falo dos mais velhos, mas obviamente também temos de dar atenção às outras idades. O número de mortes por doença oncológica não é inferior aos da covid-19, por isso se a sociedade se conseguiu organizar para fazer face ao vírus, o mesmo deve acontecer com o cancro. Não podemos baixar os braços. A Oncologia não se coaduna com grandes tempos de espera, quer no diagnóstico quer no tratamento. E é preciso apostar na inovação, na capacidade técnica instalada. Os nossos governantes têm que olhar para a Oncologia como uma emergência face às características da doença oncológica.

Mas há problemas na Oncologia por causa da crise do SNS?

Sim, aliás basta olhar para o problema das urgências, onde os nossos doentes também têm de recorrer… Faltam também recursos humanos, quer  oncologistas como radiooncologistas, cirurgiões, etc.  A Oncologia é uma área muito vasta, que conta também com médicos de diferentes especialidades. É preciso olhar para a realidade: uma pessoa com uma hérnia inguinal vê a sua qualidade de vida em causa, mas um doente com uma neoplasia pode vir a ter um cancro grave, que põe em risco a sua vida. Os governantes devem perceber que a Oncologia é o rosto dos problemas do SNS; é preciso uma atitude emergente para que mais doentes fiquem curados, tenham menos complicações e doença grave. Poupa-se no sofrimento do doente e nos custos.

Outro aspeto fundamental é a importância de se apostar na prevenção, o que acaba por prevenir também outras patologias. Deve haver mais consultas de cessação tabágica, combater a obesidade, o consumo excessivo de álcool nos adolescentes por exemplo, entre outros.

“O SNS tem capacidade para avançar com os rastreios ao cancro do pulmão? Adotando-se essa medida, é possível dar resposta adequada e atempada aos doentes?”

O que pensa da possibilidade de se realizarem rastreios ao cancro do pulmão em populações de risco e rastreios ao cancro da mama em idades mais jovens?

É importante avaliar a nossa realidade antes de se avançar com mudanças, quer no cancro do pulmão como no cancro da mama. Neste último também devemos lembrar-nos das mulheres mais velhas… A alteração das políticas em saúde tem que ser baseada em vários fatores, ou seja, não basta ter em conta somente o número de casos, mas toda a envolvente. O SNS tem capacidade para avançar com os rastreios ao cancro do pulmão? Adotando-se essa medida, é possível dar resposta adequada e atempada aos doentes? A cobertura nacional de rastreio ao cancro da mama é positiva, mas o mesmo não acontece com o cancro do cólon. Neste caso, a cobertura é de apenas 35%! No pulmão talvez se pudesse adotar uma estratégia idêntica ao da mama, que conta com o apoio da Liga Portuguesa Contra o Cancro. Ou contar-se com o apoio do setor privado. Não basta ter vontade, é preciso ter-se condições.

Que mensagem gostaria de deixar a quem trabalha na área da Oncologia?

O mote deste Congresso: estamos de olhos no futuro. Deixo uma mensagem de esperança, porque, de facto, temos uma geração de profissionais muito competentes, que se preocupam com os doentes.

 

MJG

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