21 Mai, 2021

“A obesidade está associada a mais de 200 doenças”

Perto de 60% dos portugueses têm excesso ponderal. A endocrinologista do Hospital de São João e presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade alerta para a necessidade de comparticipação da terapêutica.

Quais são os dados mais recentes relativamente à prevalência da obesidade em Portugal?

Segundo os dados do Inquérito Alimentar Nacional e de Atividade Física a prevalência da obesidade em Portugal é de 22,3 % e a prevalência da pré-obesidade é de 34,8%, o que coloca perto de 60% dos portugueses com excesso ponderal.

Existe outro estudo da OCDE que refere que Portugal tem 38,7% de prevalência da obesidade o que nos coloca no terceiro lugar entre os países europeus com maior prevalência da obesidade, só atrás da Hungria e da Turquia.

Estamos em alto risco de obesidade e de desenvolvimento de todas as patologias que lhe estão associadas.

Por que motivo temos uma prevalência tão elevada comparativamente aos nossos parceiros europeus?

As causas da obesidade são sempre multifatoriais, mas provavelmente não estamos a trabalhar no sentido da prevenção e essa é uma das áreas em que se tem de atuar. Não estamos provavelmente a tratar aqueles doentes que têm formas ligeiras de obesidade.

É um pouco como “uma pescadinha de rabo na boca”: se não prevenimos vamos ter pré-obesidade, se não fazemos nada na pré-obesidade vamos ter obesidade, se não fizermos nada na obesidade ligeira vamos ter formas cada vez mais graves de obesidade e vamos ter obesidade mórbida.

Em Portugal, neste momento, estamos relativamente bem estruturados em relação ao tratamento dos doentes que têm obesidade mórbida no acesso aos cuidados de saúde e à cirurgia de obesidade, com maior ou menor dificuldade.

Contudo, não estamos organizados para o tratamento da obesidade em formas mais ligeiras que não têm indicação para tratamento cirúrgico, ou seja, naqueles casos que têm indicação para tratamento farmacológico ou para a promoção de novos estilos de vida.

Nós, provavelmente, não estamos organizados nesse sentido.

E que peso têm as comorbidades associadas à obesidade?

As pessoas olham para a obesidade apenas como um aumento de peso e não é só isso. A obesidade está associada a mais de 200 doenças. Há evidência suficiente para relacionar a obesidade a mais de 13 tipos cancro – da mama, do colón, ginecológicos – e a pessoa com obesidade pode ter problemas pulmonares, de apneia do sono, um aumento do risco de morte súbita, distúrbios gastrointestinais, dermatológicos, pode ter fígado gordo e evoluir para cirrose ou mesmo cancro do fígado, pode ter problemas de saúde oral, ginecológicos, de infertilidade. Isto já para não falar das doenças cardiovasculares, da hipertensão, da dislipidemia, das alterações metabólicas. Enfim, não há nenhum órgão ou sistema de organismo que não seja afetado pela obesidade.

Sem esquecer, claro as alterações músculo-esqueléticas, as artroses, a artrite, a gota, é notório que as pessoas com obesidade têm limitações funcionais e não conseguem caminhar ou realizar as atividades de vida diária.

Dizemos que a obesidade tem implicações mecânicas, mentais e metabólicas, tem uma mortalidade maior e uma diminuição da qualidade de vida. É uma doença gravíssima.

Por ocasião do Dia Mundial da Obesidade, em março, a SPEO emitiu um documento com cinco pontos-chave para uma estratégia de combate à obesidade. Qual lhe parece ser mais premente implementar?

A curo prazo ficaria muito feliz que a comparticipação dos fármacos entrasse em vigor. Se temos um doente com diabetes o Serviço Nacional de Saúde comparticipa o tratamento, o mesmo para a hipertensão, para o colesterol, para o AVC, para o cancro ou a apneia.

Se isto tudo é comparticipado, porque não comparticipamos aquilo que gera todas estas doenças, ou seja, o tratamento da obesidade?

Até porque sabemos que a prevalência da obesidade é muito maior nas classes sociais mais desfavorecidas.

Se não tratamos agora vamos ter, daqui a alguns anos, de tratar todas aquelas 200 doenças associadas à obesidade. Existe evidência científica que tratar mais precocemente a obesidade gera ganhos em saúde, para além de também manter estas pessoas ativas e produtivas na sociedade durante mais anos.

Sinto-me, confesso, por vezes frustrada porque digo ao doente que temos fármacos para tratar a obesidade e depois o doente diz que não tem capacidade económica para fazer o tratamento.

Um fármaco para ser eficaz no tratamento da obesidade tem de conseguir uma perda de peso de 5%. Com esse valor, a pessoa pode conseguir uma melhoria do controlo glicémico, da incontinência urinária, uma melhor mobilidade, uma melhor qualidade de vida, pode reduzir o colesterol e reduz o consumo de fármacos como anti-hipertensores e anti-diabéticos porque tem essas patologias controladas.

Tendo em conta os meses que estivemos confinados no ano passado e já este ano, teme que o cenário da obesidade piore nos próximos tempos?

Já temos dados de que se agravou. Os dados do primeiro confinamento dizem que cerca de 26% das pessoas aumentaram de peso e assistimos a isso todos os dias na consulta. O reganho ponderal é transversal, não só as pessoas com obesidade, mas também as pessoas que vão às consultas com outros problemas de saúde aumentaram de peso. Se tínhamos um problema muito grave, esta pandemia por COVID-19 veio associar-se a outra pandemia que já existia, a da obesidade, e as duas associadas, se nada foi feito, dará mau resultado.

RV/SO

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