16 Out, 2023

“A MGF é a porta de entrada no SNS. É essencial que estejam familiarizados com as doenças dermatovenereológicas”

João Alves, presidente das V Jornadas de Atualização em Dermatologia e Venereologia de Almada, fala deste evento que considera ser uma oportunidade de formação em Dermatologia, sobretudo para a Medicina Geral e Familiar, mas não só.

O diretor do Centro de Responsabilidade Integrada de Dermatovenereologia (CRID) do Hospital Garcia da Orta, em Almada, salienta a necessidade dos médicos de família se manterem atualizados nesta área. São eles a porta de entrada dos doentes no SNS e, tendo em conta a prevalência das patologias cutaneomucosas, estes devem estar familiarizados com as suas principais manifestações e tratamentos, principalmente os que dispõem de menor apoio da Dermatologia nas suas regiões, como no Alentejo e no Algarve.

 

Esta é a 5.ª edição das Jornadas de Atualização em Dermatologia e Venereologia de Almada. Estiveram suspensas durante uns tempos devido à pandemia covid-19, mas gora que estão de regresso, vão voltar a ser anuais?
Infelizmente, as jornadas tiveram de ser suspensas durante o período da pandemia. Ainda foi colocada a hipótese da sua retoma em 2022, mas optou-se pela sua realização apenas este ano, de forma a serem planeadas e divulgadas atempadamente.

Anteriormente eram jornadas anuais, mas, neste momento, ainda não está decidido se se vai manter um evento anual ou se passará a ocorrer apenas de dois em dois anos. Atualmente, existem muitas jornadas e simpósios e, talvez, faça mais sentido que seja uma organização bienal. De qualquer forma, ainda estamos em processo de decisão. Vamos aguardar pelo feedback dos participantes.

 

Estas jornadas destinam-se sobretudo à Medicina Geral e Familiar (MGF). Porquê?
São sobretudo destinadas a médicos de MGF, mas existem colegas de outras especialidades para os quais também faz sentido a participação nas nossas jornadas. São disso exemplo, aquelas que têm patologias em comum com a Dermatologia, como a Imunoalergologia, a Reumatologia, a Infeciologia, a Medicina Interna, a Cirurgia Plástica e Reconstrutiva, entre outras. No entanto, destinam-se fundamentalmente a MGF, razão pela qual, um dos temas abordados refere-se à “Referenciação hospitalar e telerrastreio”, que terá como moderador também um colega de MGF.

 

Qual a importância desta ligação com a MGF?
A ligação é fundamental. É, por essa razão, que gostamos de realizar estas jornadas. Aliás, a nossa ligação com os ACeS, nomeadamente com o de Almada-Seixal, tem sido sempre ótima e tem-se mostrado uma mais-valia não apenas para os doentes, como também para os profissionais.

Os ACeS são a porta de entrada no SNS, através da MGF, pelo que os colegas devem ter formação nesta área, de forma a orientarem adequadamente os doentes e desenvolveram a prevenção e promoção da saúde, que também é o seu papel.

Normalmente, as patologias mais frequentes, como as lesões benignas ou dermatoses ligeiras, são orientadas pelos colegas de MGF. No caso de suspeita de lesões malignas ou dermatoses moderadas a graves, que não respondam ao tratamento ou que necessitem de outro tipo de orientação, o doente é referenciado, mas, para que o façam corretamente, os médicos de família têm de ter formação na área da Dermatologia. Como contactam com várias patologias, têm que saber um pouco de tudo. É bom que se mantenham atualizados e que tenham formação em várias áreas.

Além de uma oportunidade de formação, as Jornadas de Atualização em Dermatologia e Venereologia de Almada, são também um momento de discussão, de perceção das dificuldades vividas pelos colegas de MGF no que respeita à referenciação e das dúvidas mais frequentes.

 

Considera que a referenciação, hoje em dia, já é feita atempadamente e com qualidade? Tem vindo a melhorar ao longo dos anos?
A referenciação tem vindo a melhorar muito ao longo do tempo. Claro que é um pouco heterogéneo, dependendo da área do país. No entanto, aqui, resumindo à nossa grande área de referenciação, Almada-Seixal e Arco Ribeirinho, tem progredido muito em termos de qualidade. Os colegas têm cada vez mais formação na área da Dermatologia. Como é sabido, os recursos humanos em Dermatologia do SNS são escassos, pelo que os médicos de família, principalmente os do Alentejo e Algarve, têm que dar uma resposta ainda melhor. Uma realidade diferente da de Almada ou Seixal, que dispôe mais facilmente do nosso apoio.

Por outro lado, a introdução do telerrastreio, com possibilidade de envio de fotografias, veio melhorar muito a triagem, uma vez que, associada à informação clínica, a imagem permite-nos fazer uma melhor triagem. Por vezes é, até possível sugerir alguma terapêutica, enquanto o doente espera pela consulta presencial no hospital. Isto é ótimo para nós, para os colegas da MGF e principalmente para o doente. É óbvio que o telerastreio, tal como o próprio nome indica, serve para rastreio (triagem) e não substitui a avaliação presencial, mas como ferramenta de triagem veio facilitar muito esta atividade.

 

Há algum tema do programa que destaque?
Procurámos construir um programa tão diversificado quanto possível. É difícil abordar todos os temas, mas pela primeira vez, as jornadas terão a duração de dois dias (um dia completo e uma manhã) e não apenas de um dia como habitualmente. Iremos passar pela patologia cutaneomucosa inflamatória mais frequente e também pela tumoral e teremos vários casos clínicos interativos para discussão.

 

As V Jornadas de Atualização em Dermatologia e Venereologia de Almada são uma organização da Cútis Sana – Associação de Dermatovenereologistas de Almada, com o apoio do Centro de Responsabilidade Integrada de Dermatovenereologia (CRID) do Hospital Garcia de Orta, que foi criado em março de 2021. Quais os ganhos que tem trazido para os profissionais?
A avaliação é boa. O CRID é uma forma de gestão intermédia que nos tem permitido trabalhar mais em equipa multidisciplinar. Do CRID fazem parte, não só os médicos, como também uma equipa de enfermeiros, assistentes técnicos e de assistentes operacionais. Trabalhamos todos para um objetivo comum, que é centralizar os cuidados de saúde no utente, naquilo que mais precisam. Este método de organização tem-nos permitido, não apenas aumentar a acessibilidade dos utentes, como reduzir os tempos médios de resposta. Possibilitou-nos ainda a realização de consultas mais diferenciadas, que não tínhamos há três anos, sendo exemplos disso as consultas de tricologia, hidradenite supurativa e dermatoses imunomediadas. Aumentámos também a multidisciplinaridade, através da consulta bidisciplinar com a Reumatologia, da consulta multidisciplinar de úlcera de perna e da consulta multidisciplinar de cancro cutâneo.

Por outro lado, começamos a descentralizar e estamos mais próximos da comunidade. Temos já uma consulta descentralizada de Dermatologia, que decorre estrategicamente nas Vias Verdes Almada-Seixal, por sugestão do ACeS, dirigida à população sem médico de família, ou seja, com dificuldade em aceder aos cuidados de saúde.

Existe também a consulta descentralizada de infeções de transmissão sexual, que realizamos – em colaboração com a autarquia de Almada e com o GAT – Grupo de Ativistas em Tratamentos – em multidisciplinaridade com o Serviço de Infeciologia (que realiza consulta de PREP e hepatites), de forma a estarmos na comunidade e perto da população altamente vulnerável.

O CRID tem sido muito positivo não só para nós, profissionais, permitindo sentirmo-nos realizados profissionalmente, como também para o utente.

 

Como avalia o Estado da Dermatologia no SNS, sobretudo no que respeita à carência de especialistas?
Com muita inquietação. Infelizmente, à semelhança de tantas outras especialidades, o SNS tem vindo a perder especialistas nesta área. Muitas das queixas dos doentes são do foro dermatovenereológico, sendo o cancro cutâneo o mais frequente. O melanoma maligno é o tumor que mais mata em idade jovem. É essencial cativar e reter especialistas em Dermatovenereologia no SNS, porque só este é universal e geral.

 

Voltando às jornadas, o dermatologista Francisco Menezes Brandão é o presidente honorário do evento. Qual a razão desta homenagem?
Felizmente posso dizer que fui formado num Serviço onde vários especialistas se tornaram meus ídolos e modelos, alguns dos quais, felizmente, ainda trabalham no nosso Serviço. Outros, embora presentes há pouco tempo, já são, não tenho dúvidas, exemplos para os nossos internos e para os nossos doentes. Já o são para mim. Mesmo os que já não trabalham connosco continuam muito ligados a nós. Como as jornadas foram suspensas durante os anos da pandemia e agora foram retomadas como um “renascimento”, decidimos homenagear o Dr. Francisco Menezes Brandão, o nosso primeiro diretor e fundador do Serviço. Continua a ser um Dermatologista respeitado por todos, reconhecido nacional e internacionalmente e um exemplo de pessoa. Tenho também de elogiar a Dr.ª Elvira Bártolo que se seguiu na Direção do Serviço, mantendo a sua qualidade e prestígio, tendo sido ela que deu início a estas jornadas, e merecendo por isso, também esta homenagem. Por último, mas não menos importante, a Dr.ª Constança Furtado, diretora que me antecedeu, que manteve o Serviço e a realização das jornadas, estando, tal como todos os que aqui foram nomeados, presentes na moderação de algumas mesas das jornadas que se aproximam.

 

Quais as suas expectativas para estas jornadas?
Mesmo com outras jornadas em datas próximas, esperamos uma forte adesão.  Prevemos cerca de 100 pessoas, que era a média antes da pandemia. As V Jornadas de Atualização em Dermatologia e Venereologia de Almada são uma oportunidade de formação, de convívio e de partilha de experiências, principalmente para os colegas de MGF desta área geográfica e do Alentejo e Algarve.

 

SM

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