15 Mar, 2023

“A incontinência urinária é responsável por uma significativa perda de qualidade de vida”

No âmbito do Dia Mundial da Incontinência Urinária, que se assinala a 14 de março, Renato Lains Mota, urologista do Hospital Egas Moniz/Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, fala desta patologia no sexo masculino, que, segundo refere, é responsável por uma significativa perda da qualidade de vida.

Qual a prevalência da incontinência urinária (IU) no sexo masculino? 

 A IU, assumindo a definição proposta nos consensos divulgados pelo comité de standardização da ICS (International Continence Society), em 2019, refere-se à perda involuntária de urina e tem uma prevalência de cerca de 11% na 7.ª década de vida, ascendendo a aproximadamente 31% nos homens com mais de 85 anos.

Estes dados refletem a sua associação com o envelhecimento. É relevante destacar que a IU masculina se apresenta apenas em cerca de 1/3 dos homens com sintomatologia do baixo aparelho urinário, sendo responsável por uma significativa perda de qualidade de vida percepcionada pelos utentes e um impacto considerável nos custos dos sistemas de saúde.

Considero que será importante categorizar a IU masculina nos seus três tipos: a incontinência urinária de esforço (IUE), a incontinência urinária de urgência (IUU) e a incontinência urinária mista. As IUE e IUU fundamentalmente diferem entre si pelo modo de apresentação e pelos mecanismos fisiopatológicos que as originam. A terceira, obviamente resulta da manifestação simultânea das duas anteriores.

A IUE ocorre com a realização de esforço físico ou movimentos que promovam a elevação da pressão intra-abdominal, e é frequentemente associada à atividade desportiva, à tosse e ao espirro. Tipicamente não ocorre durante o sono e acomete menos de 10% dos homens com IU.

A IUU ocorre em simultâneo ou após uma sensação de urgência urinária e é o tipo mais prevalente de IU masculina, correspondendo a 40-80% dos homens em função das séries de estudos consideradas na revisão de 2022 da Associação Europeia de Urologia. A imperiosidade e urgência miccional, a polaquiúria e a notúria são sintomas habitualmente associados à IUU.

A IU mista corresponde aos homens que apresentam uma combinação de IU associada ao esforço e sintomas de urgência e imperiosidade miccionais, correspondendo a cerca de 10-30% dos homens com IU.

Existem ainda outras formas de incontinência, como a de overflow e a enurese noturna, que se distinguem dos três primeiros tipos por serem menos prevalentes e por não terem os mesmos mecanismos fisiopatológicos subjacentes, e que não devem ser esquecidos.

 

Quais os principais fatores de risco para a IU no homem? 

“Globalmente são assumidos como fatores de risco de IU o envelhecimento, a imobilidade e/ou limitação de mobilidade, a existência de infeção urinária, a diabetes, as alterações cognitivas e a presença de patologias neurológicas.”

Em termos clínicos, penso que também é relevante destacar a existência de antecedentes de intervenção com potencial compromisso morfológico e/ou funcional das estruturas neurológicas e musculares pélvicas (por exemplo prostatectomia radical no tumor da próstata, a cirurgia da hiperplasia benigna da próstata, a cirurgia pélvica colorretal, a radioterapia pélvica entre outras).

 

Qual a sua opinião relativamente à prevenção ou ao diagnóstico atempado destas situações em Portugal?

A IU masculina, como referi, tem um impacto negativo relevante na qualidade de vida dos utentes. No entanto, pela sua heterogeneidade semiológica, nomeadamente no contexto do seu tipo mais prevalente – a IUU -, diria que a perda de urina é ‘apenas’ uma manifestação que acomete uma parcela reduzida daqueles que têm sintomatologia de urgência do baixo aparelho urinário.

Ao colocar esta perspectiva procuro alertar para dois pilares estratégicos no que concerne à identificação e orientação clínica dos doentes com IU:

1) privilegiar o diagnostico para a sintomatologia urinária, promovendo a sensibilização dos utentes e familiares, dos agentes de saúde nos cuidados de saúde primários e das organizações comunitárias (por exemplo os centros de dia);

2) facilitar o acesso precoce a tratamentos dirigidos para uma melhoria da qualidade de vida, nomeadamente através da literacia dos cuidados de saúde primários na intervenção terapêutica de primeira linha e a referenciação dos utentes para as diversas especialidades que podem intervir no tratamento da IU masculina.

Estamos a falar de um problema que, além da manifestação urinária propriamente dita, pode deteriorar o sono, as capacidades e competências cognitivas, a sexualidade, etc. Arriscaria referir que na atualidade estamos a melhorar os cuidados de saúde quanto à sensibilização para o problema e a melhorar as linhas finais de intervenção, mas há ainda um grande caminho a percorrer até termos perceção de estarmos a fazer tudo pelo diagnóstico e tratamento destes utentes.

 

Qual o estado da arte do tratamento dos doentes, tanto em termos de terapêutica medicamentosa, como de abordagem? 

Os doentes com IU devem ser caracterizados quanto ao tipo de incontinência para uma facilidade de diagnóstico, mas também porque beneficiam de diferentes intervenções terapêuticas em função do tipo de incontinência. Penso que é relevante ter a percepção que a IUU e os sintomas a ela associados são os que mais incomodam e são aqueles que uma vez melhorados se traduzem numa valorização mais positiva pelos utentes.

A intervenção clínica deve ir ao encontro da exclusão e tratamento de etiologias reversíveis que estejam na origem da IU masculina. No tratamento específico da IU, é benéfica uma proposta terapêutica multidimensional que pode incluir:

  • Atitudes conservadoras e/ou comportamentais (estilo de vida saudável, tabagismo, gestão de aporte hídrico);
  • Otimização das comorbilidades (por exemplo obesidade);
  • Tratamento e reabilitação pélvica;
  • Tratamento farmacológico (anti-muscarinicos, beta-3 agonistas, IRSS, toxina botulínica intra-detrusor);
  • Neuromodulação sagrada;
  • Tratamento cirúrgico (colocação de esfíncter artificial ou sling suburetral);
  • Aconselhamento à terapêutica e dispositivos de suporte (por exemplo fraldas e pensos).

Pelo referido, falamos da intervenção simultânea dos cuidados de saúde primários, da Medicina Física e Reabilitação e da Urologia. Em Portugal, disponibilizamos de competências para intervir em todas estas dimensões referidas, no entanto condicionada em termos de acessibilidade e de rede de interação.

Do ponto de vista farmacológico existe uma diversidade de fármacos disponíveis e com demonstrado benefício de utilização, mas a sua prescrição ainda se traduz num custo significativo para os doentes uma vez que são, na sua generalidade, não comparticipados.

 

Qual a taxa de cura?

Considerando a heterogeneidade de doentes com IU, é difícil de responder a esta questão. No entanto, diria que os utentes com IU de esforço, embora em menor expressão em termos de prevalência, apresentam resultados mais consolidados e duradouros, até porque os estudos baseiam-se em variáveis tangíveis das perdas involuntárias de urina.

“Dispomos de informação que revela que o tratamento cirúrgico definitivo e sustentado da IUE com esfíncter artificial é de cerca de 56% e com slings suburetrais é de cerca de 60%.”

No âmbito da IUU, os estudos demonstraram benefício significativos na qualidade de vida dos utentes mediante questionários validados para estes domínios. O uso de anti-muscarinicos e de beta-3 agonistas (mirabegron) é igualmente recomendado, com nível de evidência 1b, no tratamento das perdas de urina e da sintomatologia de urgência na ausência de obstrução urinária.

 

Como vê o tratamento da IU do homem no futuro? 

O futuro é longo. A população está a envelhecer e por isso é natural um aumento da prevalência de sintomatologia urinária em utentes com muitas comorbilidades. Há uma crescente preocupação com a qualidade de vida das pessoas e isso cria a necessidade de investigação sobre o que podemos modificar para melhorar a sua vida. Penso que a abordagem multidimensional e em rede perante os homens com IU é determinante para ajudar as pessoas. À investigação clínica caberá a capacidade de desenvolver meios para selecionar e tratar os indivíduos ajustados às suas necessidades.

 

SO

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