A hemostase no doente em ECMO – Desafios
Intensivista e Diretor Clínico da ULS São João

A hemostase no doente em ECMO – Desafios

A oxigenação por membrana extracorporal (ECMO) é uma técnica de suporte vital para doentes com falência respiratória e/ou cardíaca refratárias ao tratamento convencional. No entanto, a hemostase constitui um dos problemas de gestão clínica mais complexa nos doentes com ECMO, condicionando complicações graves que limitam a utilização desta técnica.

As principais causas de trombose nos doentes com ECMO incluem o contato do sangue com as superfícies pró-trombóticas e não fisiológicas do circuito extracorporal, assim como as elevadas forças de cisalhamento na bomba e na membrana do pulmão artificial (oxigenador). Por outro lado, os doentes com ECMO apresentam igualmente tendência para a hemorragia decorrente da anticoagulação sistémica, trombocitopenia, disfunção plaquetária, síndrome de von Willebrand adquirido tipo 2 e hiperfibrinólise.

Neste contexto, encontrar em cada doente com ECMO um equilíbrio seguro e eficaz entre o risco de trombose e hemorrágico permanece um desafio clínico. Apesar da heparina não-fracionada (HNF) continuar a ser o anticoagulante mais utilizado, devido às suas vantagens como o baixo custo, possibilidade de titulação e possibilidade de rápida reversão do seu efeito pela protamina, a sua utilização nos doentes com ECMO associa-se a várias complicações como a resistência à ação da heparina (em particular nos recém-nascidos) e a trombocitopenia induzida pela heparina.

Atualmente existem alternativas válidas à HNF para a anticoagulação sistémica nos doentes em ECMO, como os inibidores diretos da trombina com semivida curta bivalirudina e argatroban. A monitorização da anticoagulação durante o suporte com ECMO sofreu igualmente uma grande evolução nos últimos anos, verificando-se, no entanto, ainda importantes diferenças nas metodologias utilizadas nos diferentes centros.

O APTT continua a ser a técnica mais utilizada para monitorizar a ação terapêutica da HNF, bivalirudina e argatroban, mas apresenta importantes limitações como a baixa reprodutibilidade entre centros, assim como o facto de o resultado ser influenciado por múltiplos fatores presentes no doente crítico como fármacos, alterações dos fatores da coagulação, hiperbilirrubinemia e proteínas de fase aguda, entre outros.

Neste contexto, o ensaio anti-Xa tem sido utilizado de forma cada vez mais frequente nos doentes em ECMO uma vez que avalia o efeito específico da HNF e o seu resultado não é influenciado pelo déficit de fatores da coagulação nem pela trombocitopenia. O doseamento seriado de D-dímero tem também sido cada vez mais utilizado, uma vez que permite a monitorização da disfunção do oxigenador.

Os testes viscoelásticos, tromboelastografia (TEG) e tromboelastometria rotacional (ROTEM), por sua vez, permitem avaliar à cabeceira do doente a cascata da coagulação, dinâmica de formação do coágulo, força máxima do coágulo, lise do coágulo e fibrinólise. Estes testes não estão, no entanto, ainda disponíveis na maior parte dos centros de ECMO, sendo também importante sublinhar que não permitem identificar a presença de síndrome de von Willebrand adquirido tipo 2 e que não existem ainda valores de referência estabelecidos na população neonatal.

Por forma a dar resposta às limitações apresentadas, a investigação nesta área tem incidido no desenvolvimento de novos anticoagulantes, na engenharia para aumentar a biocompatibilidade das superfícies do circuito de ECMO e no desenvolvimento de métodos de monitorização em tempo real e à cabeceira do doente, por forma a diminuir a incidência de complicações trombóticas e hemorrágicas nos doentes em ECMO, que ainda constituem importantes causas de morbilidade e mortalidade nestes doentes.

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