17 Mai, 2023

“A equipa multidisciplinar é importante no controlo da hipertensão resistente ou secundária”

No âmbito do Dia Mundial da Hipertensão, 17 de maio, Heloísa Ribeiro, coordenadora da Consulta de Hipertensão Arterial Sistémica do Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga e secretária geral da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, fala da consulta pela qual é responsável, dos desafios do controlo de doentes com hipertensão resistente e secundária e da importância do seu seguimento em consulta hospitalar.

Qual é o objetivo da consulta de hipertensão arterial sistémica?
O objetivo é melhorar o controlo dos doentes da área de influência do Centro Hospitalar, servindo como retaguarda aos cuidados de saúde primários. Abordamos os doentes que são referenciados principalmente pelos cuidados saúde primários, mas também de outras consultas a nível hospitalar, por HTA resistente, isto é, doentes que não estão controlados, apesar de estarem medicados com três fármacos na dose máxima tolerada, sendo um deles um diurético; doentes que precisam de excluir causa secundária ou em que há uma grande suspeita de HTA secundária; e doentes que precisam de fazer exames complementares que podem não estar disponíveis a nível dos cuidados de saúde primários. Também acompanhamos doentes que foram avaliados no serviço de urgência e que foram daí referenciados.

 

Em média quantas consultas dão por ano?
Temos um protocolo estabelecido. Está previsto fazermos uma média anual de 329 segundas consultas/médico. Em termos de primeiras consultas estão previstas 94 por ano/médico.

 

Quantos médicos são?
Neste momento somos 3, mas a equipa está a ser estruturada.

 

Esta consulta é apenas feita por internistas ou a equipa é multidisciplinar?
A consulta externa é feita por internistas, mas temos também uma consulta de grupo multidisciplinar, que conta com a participação de um médico da Cardiologia, o Dr. Fernando Pinto. Mensalmente, temos também a presença da Dr.ª Anabela Giestas, diretora do Serviço de Endocrinologia, com o objetivo de discutir casos em que acreditamos que a causa associada à HTA é do foro endocrinológico.

Estas consultas multidisciplinares têm como objetivo discutir casos mais complexos, em que consideramos que o facto de estar na presença de profissionais com visões e background diferentes pode facilitar e melhorar o atendimento ao doente e toda a cadeia de diagnóstico e terapêutica que se segue.

 

Tal como referiu, a HTA resistente é um dos subtipos seguidos nesta consulta. O que é que contribui para esta condição?
Falar de HTA resistente é falar num grupo de doentes realmente difícil de controlar. Numa primeira fase, temos de perceber se existe verdadeiramente HTA resistente ou se é uma questão de baixa adesão à terapêutica prescrita, de calcificação arterial no caso do idoso e que faz com que os valores sejam sempre mais elevados.

Também pode ser devido ao fenómeno da bata branca ou ter-se tratado de uma má técnica da medição da pressão arterial no consultório, em que não foram tomadas as medidas corretas para a fazer da forma mais precisa. Além disso, pode haver inércia por parte do médico, ou seja, podemos não ser proativos na otimização da terapêutica.

Estas são causas de pseudorresistência. Só depois de ultrapassarmos estes fatores, podemos dizer que se trata de uma verdadeira HTA resistente.

 

“Falar de HTA resistente é falar num grupo de doentes realmente difícil de controlar”

 

Mas o que é que contribui para esta verdadeira HTA resistente?
Há vários fatores que contribuem para a HTA resistente. A verdade é que os fatores de estilo de vida, a obesidade, o aumento do peso, os consumos elevados de álcool, de tabaco e de sal contribuem para uma maior dificuldade no controlo da pressão arterial.

Alguns fármacos também podem contribuir. Por vezes, a toma de anti-inflamatórios, de cortisona e até os descongestionantes nasais podem influenciar o controlo da pressão arterial. Estes são fatores que dificultam o controlo ótimo da pressão arterial.

 

Em que diferem os tratamentos da HTA resistente?
Quando falamos em marcha terapêutica da HTA, temos recomendações mediante o valor da pressão arterial e da classificação do risco cardiovascular do doente. Na maioria dos doentes, o que está indicado é iniciar uma associação fixa e, depois, titular a dose. Se não está controlado devemos associar um terceiro fármaco. Caso o doente continue sem estar controlado, teremos de pensar nas causas de pseudorresistência e nas de HTA secundária e vamos prosseguir, juntando mais fármacos até conseguirmos o controlo.

Depois de termos os três fármacos, nesta marcha terapêutica seguir-se-á a espironolactona e, depois, teremos de lhe juntar outros fármacos de outras categorias, menos frequentemente usados, até conseguirmos controlar o doente. Podem ser beta bloqueantes, bloqueadores alfa, depende do doente, das comorbidades e de outras das características a ter em conta para selecionar esses medicamentos.

 

Consegue controlar-se estes doentes ou têm que ser seguidos em consulta hospitalar toda a vida?
Há doentes que são controlados e que retornam ao seguimento com médico assistente, mas há um grupo de doentes com lesão de órgão extensa associada à HTA, que são mais difíceis de gerir e que precisam de um seguimento prolongado. Muitas vezes, têm de transitar para consultas mais específicas dedicadas, por exemplo, à consulta de Insuficiência Cardíaca ou de Nefrologia.

 

Nestes casos, quem são as pessoas mais afetadas?
A HTA resistente é mais frequente em pessoas de idade avançada, em homens; doentes que tiveram valores mais elevados no diagnóstico, que estiveram mais tempo descontrolados; pessoas com outros fatores de risco cardiovascular ou doença renal crónica.

 

E no que respeita à HTA secundária. Quais as causas?
Falamos de HTA secundária quando há uma causa que podemos identificar e que, por vezes, pode ser tratável com uma intervenção específica.

Normalmente, este subtipo de HTA está presente entre os 5 e os 15% dos casos. As causas mais frequentes são o hiperaldosteronismo primário, a apneia obstrutiva do sono, a doença renovascular, e a doença parenquimatosa renal.

Estas são algumas das causas mais frequentes e temos que pensar nelas primariamente. Mas, há outras, como os distúrbios da tiroide, e outras causas menos comuns, como por exemplo as alterações tubulares do rim.

 

“Falamos de HTA secundária quando há uma causa que podemos identificar e que, por vezes, pode ser tratável com uma intervenção específica”

 

Neste caso o tratamento passa por controlar doenças que originam a HTA?
Vai depender da causa. Se estivermos a falar de um hiperaldosteronismo primário, primeiramente tentamos bloquear o efeito dessa hormona nos tecidos, mas pode haver casos com indicação cirúrgica, em que, por exemplo, pode ser retirada a glândula suprarrenal.

No caso da apneia obstrutiva do sono, os doentes, além das medidas comportamentais, como perda de peso, podem ter indicação para fazer ventilação noturna não invasiva.

Na doença renovascular pode haver indicação para se colocar um stent na artéria renal. No fundo, a nossa atuação vai sempre depender do diagnóstico que temos.

 

Estes doentes são controláveis ou têm de continuar a ser seguidos em consulta hospitalar?
Há doentes que acabam por ser controlados, mas a verdade é que muitas vezes não temos HTA isolada. Temos outros fatores de risco concomitantes e lesão de órgão mediada pela HTA, o que pode implicar seguimento mais prolongado.

Algumas das causas secundárias implicam o seguimento noutra especialidade. O tempo de seguimento depende de cada doente.

 

Quem é mais afetado por esta HTA secundária?
Sobretudo indivíduos mais jovens. Na denominada HTA essencial, sem uma causa identificada, a frequência aumenta com a idade. Contudo, em indivíduos jovens, principalmente abaixo dos 40 anos, pensamos em HTA secundária. É uma idade em que é menos frequente haver HTA, e pode estar associada a uma causa específica. A verdade é que há cada vez mais doentes obesos em idades mais jovens, acabando por se verificar também uma aglomeração de outros fatores de risco.

Também temos que pensar em HTA secundária quando existe história familiar positiva para determinada causa, quando há sintomas ou alterações analíticas que nos sugerem uma causa.

 

Quais são os maiores desafios no controlo destes doentes?
O doente seguido a nível hospitalar carece ainda de mais atenção, porque já passou por uma primeira abordagem sem sucesso, nos cuidados de saúde primários. Ou seja, é um indivíduo que precisa de mais ensino, de mais sensibilização para os cuidados a ter, para as mudanças de estilo de vida e para a adesão terapêutica. Nestes doentes é muito importante trabalhar as mudanças de estilo de vida a redução do consumo de sal, entre outros aspetos.

Não é uma alteração transitória no comportamento, é uma mudança a longo prazo, para a vida.  É preciso muito investimento na educação para a saúde e na adesão terapêutica.

É essencial que se faça uma monitorização frequente da pressão arterial e um seguimento muito apertado até termos o doente controlado – por vezes chegamos a vê-lo a cada 4 ou 6 semanas. É importante também que haja retaguarda a nível dos exames complementares de diagnóstico.

Nestes casos de HTA resistente, a equipa multidisciplinar é de extrema importância, uma vez que os profissionais têm uma atuação complementar, não apenas em termos de terapêutica, mas também nesta mudança de comportamento, que é o mais difícil.

 

Como avalia o seguimento destes doentes em Portugal?
Esta pergunta é complexa. Temos os doentes que estão diagnosticados e controlados, doentes que conhecem o diagnóstico, mas que não estão controlados e outros que têm HTA e não sabem, o que implica abordagens diferentes na comunidade, no âmbito do ensino para a saúde e para a vigilância, numa tentativa de aumentar a literacia para a saúde.

Nos indivíduos em que é preciso melhorar o controlo, há muito trabalho a fazer a nível da mudança comportamental e da adesão terapêutica.

Por outro lado, é preciso apostar na formação dos serviços de saúde e combater a inércia médica. Apesar de tudo, temos vindo a melhorar os cuidados a nível da HTA, mas ainda temos muito caminho a percorrer.

 

 

Texto: Sílvia Malheiro

 

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